França suspende milhares de profissionais de saúde não vacinados

por Inês Moreira Santos - RTP
Lusa

A vacinação contra a covid-19 passou ser obrigatória em França na quarta-feira e foram suspensos de funções todos os profissionais de saúde que não estejam vacinados e se recusem a tomar uma vacina. A medida, que abrange 2,7 milhões de pessoas mas conta com forte oposição de uma minoria, surge depois de, em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, serem fortes e ruidosos os movimentos anti-vacinas.

Até quarta-feira, para continuar a trabalhar, todos os profissionais de saúde - de hospitais, de lares de idosos, cuidadores informais, bombeiros, condutores de ambulâncias - tinham de ser inoculado com, pelo menos, uma dose da vacina contra o novo coronavírus. Dois meses após o ultimato do presidente francês, Emmanuel Macron, uma minoria significativa não se vacinou contra o SARS-CoV-2.

"Cerca de 3.000 notificações por suspensão foram enviadas ontem aos funcionários dos centros de saúde e clínicas que ainda não foram vacinados", disse Olivier Veran à rádio RTL.

De acordo com o ministro francês da Saúde, "várias dezenas de profissionais" demitiram-se, em vez de aceitarem ser vacinados.

Alguns médicos, enfermeiros e até cuidadores têm recusado a vacina devido a questões éticas pessoais ou por razões tradicionais, como a crença de que possam existir efeitos secundários graves, embora estes nunca tenham sido confirmados cientificamente. Há também aqueles que discordam da necessidade de medidas de saúde pública para conter a pandemia ou ainda quem tenha dúvidas específicas sobre estas vacinas contra a covid-19.

Mas agora, quem se recusar a levar a vacina é suspenso, fica sem salário e pode mesmo vir a ser despedido.

Segundo o ministro, "grande parte destas suspensões são apenas temporárias" e estão associadas "principalmente ao pessoal dos serviços de apoio", não tanto em médicos ou enfermeiros.

"Muitos deles decidiram vacinar-se, visto que passou a ser obrigatório", mas houve "algumas dezenas de demissões nesta fase".

O ministro sublinhou que "estamos muito longe" dos números de 200.000 a 300.000 trabalhadores da saúde que poderiam ser afastados, segundo algumas fontes, da assistência médica ou de lares e infraestruturas de apoio a idosos por serem contrários à vacinação.

Quem não justificar a recusa da vacina, uma contra-indicação ou contaminação recente, "não pode mais exercer a sua atividade", de acordo com a lei publicada a 5 de agosto.

Em julho, Macron estabeleceu um prazo, até dia 15 de setembro, para que todos os profissionais de saúde recebessem pelo menos a primeira dose de uma vacina, sob pena de suspensão sem remuneração. Apesar do ultimato, milhares de profissionais de saúde continuam sem a vacinação completa, o que tem levantado questões acerca da sobrevivência do sistema de saúde.

O crescimento de movimentos anti-vacinas em França e noutros países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, levou o governo francês a adotar esta medida.

De acordo com o último relatório das autoridades, de 7 de setembro, pouco mais de 88 por cento dos prestadores de cuidados em hospitais e lares receberam pelo menos uma dose e quase 94 por centi entre os profissionais independentes. Ou seja, cerca de 12 por cento dos funcionários hospitalares públicos e seis por cento dos profissionais de consultórios privados ainda não tinham sido vacinados.

Veran afirmou, contundo, que "a continuidade do atendimento está assegurada".

O ministro da Saúde fez, por outro lado, um apelo para que todas as pessoas que recebem a vacina contra a gripe todos os anos (entre 17 e 18 milhões de pessoas) venham a receber uma terceira dose contra a covid-19.

"Essa terceira dose é necessária" porque essas pessoas têm um sistema imunológico mais frágil, explicou.
Sindicatos franceses prontos a avançar com greve geral contra obrigação de vacinação
Na terça-feira, os profissionais de saúde em França manifestaram-se contra a medida que torna obrigatória a vacinação contra a covid-19 para trabalhar nos hospitais, sob pena de verem o seu salário suspenso, ameaçando uma greve geral nas próximas semanas.

"Há muitas pessoas contra este passe, portanto acho que estamos prontos a passar para uma greve geral", disse Coralie, enfermeira que se manifestou em frente ao Ministério da Saúde e da Solidariedade, em Paris, em declarações à Agência Lusa.

Coralie é uma jovem enfermeira num hospital nos arredores da capital francesa e teme como o seu serviço vai funcionar, já que os seus colegas não vacinados não vão poder trabalhar, o que conidera ser uma situação insustentável.

"Caso essas pessoas sejam retiradas de funções, vai sobrar para nós, as pessoas que se vacinaram devido à pressão das nossas hierarquia, e os pacientes vão demorar ainda mais a ser atendidos", declarou a enfermeira.

A vacinação não é só obrigatória para todos os que trabalham nos hospitais, incluindo pessoal administrativo, mas também em todos os lares, unidades de cuidados continuados, centros de saúde, assim como estudantes na área da saúde que acedam a essas estruturas e ainda bombeiros e militares com missões civis.

"Conheço colegas a quem isso vai acontecer, não vão ter salário a partir de amanhã. Mas, por outro lado, vão fazer falta nos hospitais. Temos cada vez menos gente a trabalhar", indicou Thierry, que trabalha na cozinha de um hospital em Villejuif, nos arredores de Paris.

Para a CGT, uma das maiores centrais sindicais em França, esta obrigação serve para "esconder" o desinvestimento na saúde, mesmo em tempos de pandemia, e gerar a desconfiança da população face aos profissionais deste setor.

"O problema não é a vacinação, o problema é que nos querem estigmatizar e apontar-nos o dedo, dizendo que nós contaminamos as pessoas. Assim, não falamos dos verdadeiros problemas: a falta de pessoal e o orçamento reduzido da saúde", denunciou Asdine Aissiou, secretário-geral da CGT no hospital Pitié-Salpêtrière à comunicação social.

Asdine Aissiou afirmou ainda que as negociações com o Governo estão completamente "fechadas", não havendo margem de manobra para rever esta medida e que resta agora "levar a cabo uma ação que ainda não colocámos em prática", dando a entender que a greve pode estar para breve.

Em França, têm decorrido várias manifestações em vários pontos do país, sendo muitas delas à porta de hospitais e outras infraestruturas ligadas à saúde.
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