Fumo de incêndios nos Estados Unidos chega à Europa

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Os fogos já destruíram quase dois milhões de hectares de floresta desde agosto Mario Anzuoni - Reuters

Os incêndios que começaram no início de agosto continuam a devastar grande parte da costa oeste dos Estados Unidos. O fumo atravessou o Oceano Atlântico, chegando mesmo a ser visível no norte da Europa. Donald Trump continua a desvalorizar o papel das alterações climáticas e Joe Biden apelida-o de "incendiário climático".

Os incêndios que se iniciaram nos Estados norte-americanos da Califórnia e Colorado são já considerados os piores dos últimos 18 anos. Pelo menos 36 pessoas morreram e dezenas estão desaparecidas.

Cientistas do Copernicus Atmosphere Monitoring Service (CAMS), que fazem parte do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, usam imagens de satélite para monitorizar os incêndios florestais em todo o mundo. De acordo com estes especialistas, enquanto o fumo mais pesado permaneceu na costa oeste dos EUA por vários dias, sobre o Oceano Pacífico, recentemente tem-se movido por todo o país, chegando mesmo a cobrir o céu em Washington e Nova Iorque, a mais de quatro mil quilómetros do foco dos incêndios. O fumo manteve-se durante vários dias sobre a costa oeste por influência de fortes pressões atmosféricas, mas movimentou-se na direção da costa este na segunda-feira, devido a correntes de ar atmosféricas que formam corredores de vento que se movimentam de oeste para leste, em todo o planeta, ao nível da transição entre a troposfera e a estratosfera.

No final da semana passada, as imagens demonstram mesmo que o fumo atravessou o Oceano Atlântico e chegou aos países da Europa do Norte. O CAMS prevê que a nuvem de fumo volte a ser visível nesta região nos próximos dias.


Os especialistas afirmam que os incêndios este ano nos EUA foram “dezenas a centenas de vezes mais intensos” do que a média de 2003 a 2019 em todo o país e Estados afetados.

“A escala e magnitude, estes incêndios estão a um nível muito mais alto do que em qualquer um dos últimos 18 anos que os nossos dados de monitorização cobrem, desde 2003”, disse Mark Parrington, cientista do CAMS, à CNN.
Pior qualidade do ar do mundo
Segundo o site de meteorologia New York Metro Weather, o fumo, que se acumulou a uma altitude entre 15 mil e 20 mil pés (4500 e seis mil metros) por cima de Nova Iorque, foi o responsável pelo céu ligeiramente escurecido.

Parrington explica que um bom indicador da espessura do fumo é a profundidade ótica do aerossol (AOD). “A Oeste dos EUA, os níveis de AOD atingiram valores iguais ou superiores a sete. Para colocar isto em perspetiva, uma avaliação de AOD em um implica já condições atmosféricas muito nebulosas e potencialmente má qualidade do ar”, esclarece o cientista.

“O facto de estes incêndios estarem a emitir muita poluição para a atmosfera, de tal forma que conseguimos ver uma densa nuvem de fumo a mais de 8.000 quilómetros de distância, reflete o quão devastadores são na sua magnitude e duração”, sublinha Parrington.

De acordo com o US National Interagency Fire Center, pelo menos 87 incêndios estavam ativos na terça-feira em onze Estados norte-americanos. O CAMS revela que os incêndios foram já responsáveis pela emissão de cerca de 7,3 megatoneladas de carbono no Estado de Oregon e 1,4 toneladas em Washington.

O grupo de controlo da qualidade do ar IQAir afirma mesmo que algumas partes da costa oeste do país têm a pior qualidade do ar do mundo. Esta má qualidade atmosférica obrigou ao encerramento de algumas empresas, à paralisação de voos e suspensão de alguns serviços.

Localidades inteiras foram engolidas pelas chamas nos Estados de Oregon e Califórnia. Dezenas de milhares de habitantes de Oregon tiveram mesmo de ser deslocados. O congressista Peter DeFazio revelou que a Casa Branca aprovou na terça-feira um pedido do governador de Oregon para declarar situação de desastre naquele Estado. A decisão significa uma maior ajuda no envio de recursos necessários para a reconstrução das comunidades.
Incêndios no centro do debate político
Com os incêndios que assolam os EUA, as alterações climáticas passaram a ser o centro de debate na campanha das eleições presidenciais. Joe Biden, o candidato democrata à presidência, apelidou Trump de “incendiário climático” depois de o presidente norte-americano ter desvalorizado o papel das alterações climáticas nos recentes incêndios.

Numa visita à Califórnia na terça-feira, Donald Trump voltou a negar as alterações climáticas e culpou a má gestão florestal pelos fogos que já destruíram quase dois milhões de hectares de floresta desde agosto.

“Quando as árvores caem, depois de um período curto de tempo, ficam muito secas, ficam como um fósforo. E também podem explodir”, disse Trump. “Além das folhas, quando temos folhas secas no chão, são um rastilho para os incêndios”, acrescentou.

Durante uma conferência, o presidente dos EUA argumentou que outros países não têm observado o mesmo nível de incêndios florestais, apesar de grandes fogos terem recentemente devastado a Austrália e Amazónia e de os cientistas os terem atribuído às alterações climáticas.

“Eles não têm problemas como estes”, disse Trump. “Eles têm árvores muito explosivas, mas não têm problemas como estes”, continuou.

“Quando falamos sobre alterações climáticas, bem, a Índia vai mudar os seus hábitos? E a China vai mudar os seus hábitos? E a Rússia?”, disse o presidente aos jornalistas. “Nós somos apenas uma pequena partícula. Eles constituem uma grande predominância na poluição”, defendeu Trump.

Ao lado de Trump durante a conferência estava o governador da Califórnia, Gavin Newsom, que reconheceu a necessidade de uma melhor gestão florestal, mas sublinhou que “as alterações climáticas são reais e estão a exacerbar” o perigo.

Trump, por sua vez, defendeu que o tempo “vai acabar por arrefecer”. “Espero que a ciência concorde consigo”, respondeu o secretário da Agência de Recursos Naturais ,Wade Crowfoot. “Não acredito que a ciência saiba”, retorquiu o presidente dos EUA. Mais tarde, Crowfoot publicou no Twitter um gráfico da previsão meteorológica para a Califórnia, com a legenda: “Na verdade, não vai ficar mais frio, senhor presidente”.

Joe Biden, num discurso na sua terra natal, em Wilmington, no Delaware, criticou as repostas de Trump e enfatizou a conexão dos incêndios florestais com as alterações climáticas.

“Se tivermos mais quatro anos de negação das alterações climáticas por parte de Trump, quantos subúrbios serão queimados nos incêndios florestais? Quantos bairros ficarão inundados? Quantos subúrbios serão destruídos por tempestades?”, questionou o candidato do Partido Democrata.

Se dermos mais quatro anos na Casa Branca a um incendiário climático, alguém ficaria surpreendido se tivéssemos uma América ainda mais devastada pelas chamas? Uma América ainda mais debaixo de água?”, interrogou ainda Biden. “É claro que não estamos seguros na América de Donald Trump”, concluiu.
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