Fúria em Espanha: "Sou um violador e o Estado deixa"

por RTP
Marcelo del Pozo, Reuters

Os cinco violadores voltaram a casa, mas uma intensa campanha está a fazer-lhes a vida impossível: quem os apoiar, quem lhes der trabalho, será apontado a dedo. Milhares de pessoas manifestaram-se contra a decisão do Tribunal de Navarra. O Governo também criticou os juízes.

As manifestações que, apesar do calor intenso, encheram as ruas de várias cidades espanholas nesta tarde de sábado, exibiam inúmeras fotografias com as caras dos cinco violadores de "A Manada" - que em Pamplona, em 2016, cometeram uma violação em grupo contra uma jovem madrilena de visita à cidade para as festas de San Fermin.

Os autores do crime são conhecidos do público e esse foi um dos argumentos do Tribunal de Navarra para decidir que fossem libertados sob fiança, sem cumprirem a pena. Mas a identificação dos cinco é agora o ponto de partida para uma intensa campanha, dinamizada por organizações feministas espanholas e também com um eco em Lisboa.

Terra queimada à volta dos violadores
Em Sevilha, cidade onde residem os cinco membros do gang, eles estão agora a sentir o ambiente de hostilidade que cresce à sua volta. O diário El Pais inventariou os cartazes afixados nos estabelecimentos comerciais da cidade e a maioria tem um de dois textos. Ou:

“Neste estabelecimento não atendemos violadores #Stopmanada. Este é um espaço seguro para as mulheres"

Ou então: "Sr. / Sra. Comerciante: Nós, mulheres, não consumimos em estabelecimentos onde se atende violadores. Convidamo-lo(a) a juntar-se à nossa acção, colocando um aviso à entrada: 'Vocês não são benvindos em Sevilha'"

Os cartazes foram colocados principalmente nos estabelecimentos frequentados habitualmente pelos membros da "Manada", e também naqueles em que algum deles esteve empregado.

Uma das organizadoras do protesto fez notar que o tribunal só proibiu os violadores de se deslocarem a Madrid, onde reside a sua vítima. A campanha não se limita, por isso, a Sevilha, e está a estender-se a outras cidades do Estado espanhol.

Um dos violadores, Jesús Escudero, trabalhava num cabeleireiro de um parente seu. Inquirido por aquele diário, o dono do estabelecimento recusou dizer se tenciona voltar a empregá-lo. Num muro da rua onde fica o cabeleireiro, estão afixados cartazes com as fotografias dos cinco delinquentes e, em baixo de cada uma, a legenda: "Sou um violador e o Estado deixa".

Outro dos violadores, Guerrero, é guarda civil, e um outro, Cabezuelo, é militar. Esses dois, pelo menos, não poderão retomar agora as suas profissões, das quais estão formalmente suspensos.

Um outro jornal, El periodico, refere a existência de um abaixo-assinado que já foi subscrito por mais de 700.000 pessoas, a protestar contra a decisão do Tribunal de Navarra.

Aí se lamenta o lapso de tempo que vai ser preciso esperar, até setembro ou outubro, para que o Tribunal Superior de Justiça de Navarra aprecie todos os recursos e possa portanto, eventualmente, mandar os violadores de volta para a cadeia.
O ambiente no bairro: antes e depois
Num outro artigo do mesmo jornal, descreve-se o ambiente que rodeou o regresso de José Ángel Prenda, um dos cinco violadores, a sua casa, no bairro sevilhano de Amate. O indivíduo chegou a casa de madrugada, às 7h da manhã, com a cara tapada. Várias outras pessoas chegaram uns minutos antes e uns minutos depois, todas elas igualmente embuçadas. Depois, ouviu-se na rua o ruído de um festejo.

Segundo a reportagem de El Periodico, começou por notar-se nesse bairro modesto um ambiente favorável a Prenda, imediatamente depois de anunciada a sua iminente libertação. E, aparentemente, foram alguns dos seus vizinhos a juntar os 6.000 euros para a fiança de cada um dos presos.

Esta solidariedade financeira estará também relacionada com a participação de alguns dos violadores na claque do Sevilha FC, que aliás já tinha ocasionado anteriores condenações em tribunal por violências cometidas nesse âmbito.

Entretanto, segundo a mesma reportagem, começa a haver vozes no bairro a manifestarem-se contra a libertação dos delinquentes.
Manifestações de protesto em toda a Espanha
Um outro jornal, El Mundo, refere que hoje, apesar do calor, houve milhares de mulheres e milhares de homens na rua, a protestarem contra o tribunal. Entre os slogans citam o de "Eles em liberdade condicional, nós, mulheres, a rompermos a nossa jaula". Outros cartazes diziam "Repugnância e vergonha". Outros ainda, mais incisivos: "Machistas fora dos tribunais!"

Uma manifestante citada pelo jornal comentava que a decisão judicial "mostrou que uma violação custa 6.000 euros". Mais cartazes diziam, referindo-se à vítima: "Eu acredito em ti"; ou: "Calma, irmã, aqui está a tua manada". E outro ainda dizia: "Não é abuso, é violação". Ou mesmo: "Justiça de merda, vocês estão a julgá-la a ela".
Governo critica juízes
Em declarações hoje divulgadas, a porta-voz do Governo, Isabel Celaá, criticou também a libertação dos violadores, considerando que a liberdade condiconal apresenta sempre o perigo de fuga.

Segundo Celaá, citada em El Mundo, o Governo ficou "surpreendido" com a liberdade condicional, porque "a regra de ouro geral é que um condenado fique na prisão pelo menos até cumprir metade da pena". E acrescentou que "os factos provados e condenados são muito graves, gravíssimos".

A porta-voz lembrou também que a vítima "disse não. Essa é a opinião que está no ambiente social e é um facto provado". Por isso, acrescentou, o Governo "faz-se eco do alarme social de Espanha no seu conjunto e das mulheres em especial". O Governo, disse ainda, vai estudar a possibilidade de reformar o Código Penal para o tipo de delitos em causa, melhorar a formação dos juízes no tema da violência de género.

Além disso, admitiu a possibilidade de que os serviços jurídicos do Estado se ponham à disposição das vítimas de delitos sexuais e que sejam assistentes dos processos. Mas isso será apenas para o futuro, porque o julgamente de "A Manada" já teve lugar.
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