Governo espanhol recorre ao Vaticano para evitar restos mortais de Franco em Madrid

por Andreia Martins - RTP
O memorial em Vale dos Caídos foi construído entre 1940 e 1958 por ordem de Francisco Franco, e é onde os restos mortais do ditador se encontram desde a sua morte, em 1975 Sérgio Perez - Reuters

A vice-presidente do Governo de Madrid viaja até Roma no final de outubro para pedir auxílio ao “número dois” do Papa Francisco, Pietro Parolin, no caso da exumação dos restos mortais de Francisco Franco. O objetivo do executivo de Pedro Sánchez é tentar impedir o enterro dos restos mortais do ditador numa catedral que fica situada no coração da capital espanhola.

Complica-se cada vez mais a questão da exumação de Francisco Franco. O Governo espanhol está sem vias legais para se opor à vontade da família e vai agora recorrer à Santa Sé para tentar impedir um ato de grande potencial simbólico que poderá levar à sepultura do ditador numa das principais catedrais do país, mais de 40 anos depois da morte.

Os netos do ditador exigem agora que os restos mortais sejam enterrados na cripta da catedral de La Almudena, isto depois de o Congresso espanhol ter aprovado a exumação de Franco do Vale dos Caídos, onde estão sepultados os restos mortais de mais de 30 mil combatentes da Guerra Civil espanhola.  

O Governo não tem qualquer forma legal de se opor a tal decisão, uma vez que a família do ditador espanhol adquiriu uma zona da cripta, onde já se encontra sepultada a única filha de Franco, Carmen Franco Polo, que morreu em dezembro de 2017.  

O executivo teme agora que esta cripta, situada numa igreja no centro de Madrid - mesmo de frente para a entrada do Palácio Real – se torne num local turístico e de culto em volta da figura de Francisco Franco.  

Segundo o Governo espanhol, o objetivo da viagem da vice de Sánchez e do encontro com Pietro Parolim, secretário de Estado do Vaticano, não é pedir à Igreja Católica que impeça a sepultura de Franco na catedral, mas antes discutir o assunto de forma mais geral.  

Para o executivo liderado por Pedro Sánchez seria preferível que os restos mortais fossem colocados num local mais reservado, nomeadamente no cemitério de El Prado, às portas de Madrid, onde a mulher de Franco está sepultada desde 1988. A família alega que não existem condições de segurança para que os restos mortais de Franco sejam depositados naquele cemitério. 
Desconforto da igreja

Mas o destino de Franco poderá também depender da Igreja Católica. O arcebispo de Madrid, Carlos Osoro, não se opôs à exumação do ditador do Vale dos Caídos, mas assinalou recentemente que não se poderá opor à vontade da família, de levar os restos mortais até à Catedral de La Almudena.  

“Não temos qualquer problema em acolher ninguém. Há uma propriedade de Franco e, naturalmente, como qualquer cristão, ele tem o direito de ser enterrado onde a família achar conveniente. Não é um problema para o arcebispo ou para a Igreja”, apontou o arcebispo, citado pelo El País.  

Ainda que o direito canónico proíba desde 1983 a sepultura de cadáveres dentro de igrejas “a não ser que se trate do Pontífice Romano, dos Cardeais ou dos Bispos diocesanos”, a norma acaba por não ser respeitada tendo em conta as próprias necessidades da Igreja Católica. 

“A lei é muito clara, mas a Igreja financia-se graças aos enterros em sepulturas e columbários, tanto em paróquias humildes como nos grandes templos”, referia o especialista José Manuel Vidal.  

Sabe-se para já que este caso concreto está a gerar desconforto na Igreja, particularmente em Madrid. Os responsáveis temem que a sepultura de Franco em La Almudena leve ao boicote da igreja pelos fiéis, mas relevam também preocupação com eventuais manifestações e perturbações da ordem pública que possam ocorrer junto a catedral, caso esta passe a acolher os restos mortais do ditador. 

No entanto, a Igreja poderá não arriscar uma segunda afronta à família de Franco, poucos meses depois de não ter contrariado a votação de exumação no Congresso dos Deputados. Nessa altura, a ala católica mais conservadora de Madrid criticou a decisão de Carlos Osoro. 

Entretanto, um grupo de eurodeputados apelou ao Papa Francisco para que evite a sepultura de Franco em La Almudena, evitando que este se torne um ponto de “peregrinação fascista”.

Agora, o Governo de Pedro Sánchez corre contra o tempo, uma vez que prometeu que o problema ficaria resolvido até ao final deste ano, mas não previu que os Franco levantassem a possibilidade de sepultar o antigo ditador na catedral madrilena.  

 “Este é um golpe de génio da família de Franco, e o governo tem sido naïve. A situação é diabólica. Preferia que Franco continuasse no Vale dos Caídos do que em La Almudena, perto do Palácio Real”, confessa Carlos García de Andoain, responsável pelo primeiro comité criado em 2011 para estudar a exumação dos restos mortais de Franco. 

O memorial em Vale dos Caídos foi construído entre 1940 e 1958 por ordem de Francisco Franco, e é onde os restos mortais do ditador se encontram desde a sua morte, em 1975. Erguido para homenagear os que lutaram pelo regime franquista na guerra civil espanhola, o mausoléu é na verdade uma das maiores valas comuns em solo europeu, onde estão também seputados combatentes anónimos do lado republicano do conflito.
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