Há uma "declaração de guerra aos migrantes" -- jurista Claire Rodier

por Lusa

A jurista Claire Rodier, cofundadora da rede euro-africana Migreurop, referiu à Lusa que existe uma "declaração de guerra" aos migrantes e na ausência de uma séria política de coesão europeia para abordar o desafio das migrações.

"A nossa ONG contacta com associações dos dois lados do Mediterrâneo e consideramos existir uma declaração de guerra aos migrantes. Estamos quase em guerra e quando considero que as migrações não vão terminar, não sei qual será o futuro, se vai ser de facto uma guerra aberta onde as pessoas são mortas", assinalou.

"Já as deixam morrer em grande número no Mediterrâneo, é a fronteira mais perigosa do mundo. Vai chegar-se ao ponto de disparar? Espero que não, mas é também necessário considerar o tempo longo", acrescentou a jurista e também diretora do Grupo de Informação e de Suporte aos Imigrantes (GISTI).

Claire Rodier recorda que no século XIX, em pleno território europeu, ocorreram movimentos migratórios mais significativos se comparados com os atuais, na sequência de `pogroms`, guerras, com muita mobilidade e grandes deslocamentos de populações, e que parecem ter sido esquecidos.

Em paralelo, sublinha que a componente económica da imigração, a necessidade de mão de obra, ou o seu excesso, também são fatores decisivos nos atuais fluxos populacionais.

"Se precisamos de mão de obra abrem-se as fronteiras, de contrário fecham-se. Isso acontece desde há 25 anos. Isolamos completamente a política de imigração de trabalho, enquanto a política de controlo das fronteiras, de asilo, é comum à União Europeia. Mas sobre a imigração de trabalho é cada país que decide, porque depende da respetiva economia", considerou.

Atualmente, não existe uma resposta adequada e "inteligente" por parte dos governos face aos desafios migratórios, em contradição com iniciativas provenientes de alguns municípios ou da sociedade civil, e deteta o primeiro sinal errático.

"O pacto UE-Turquia, de março de 2016, foi talvez a primeira etapa de uma assumida solução no exterior do espaço europeu em troca de dinheiro, e abertamente. `Seis mil milhões de euros e guardas os imigrantes que não queremos`", assinalou numa referência ao designado acordo entre a União Europeia e a Turquia que interrompeu o fluxo migratório na região dos Balcãs e em direção à Europa central.

A ativista francesa, que na quinta-feira participou no Ciclo de Migrações a decorrer no Teatro Maria Matos, em Lisboa, com um programa de debates, fóruns e espetáculos, também não demonstrou "qualquer otimismo" sobre a cimeira da UE do final do mês, ou sobre a minicimeira de domingo dedicada ao problema das migrações e que vai reunir 16 dirigentes, mas sem a presença do grupo de Visegrad (Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria).

A "colocação à distância" dos migrantes, concentrados em campos "transitórios" no norte de África, e uma posterior "seleção dos verdadeiros refugiados" que poderão ser acolhidos em solo europeu é assim a perspetiva admitida pela cofundadora da rede euro-africana Migreurop.

Claire Rodier admite, no entanto, a aplicação de medidas positivas face ao desafio migratório, mas à margem dos poderes centrais.

"Se existirem alterações será através de alguns municípios, como já sucede em Itália, em Espanha, em França, e por parte das populações. Mas não pelos Estados, que estão paralisados por esquemas demasiado politizados, com o receio da extrema-direita".

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