Hong Kong. Estudantes usam rapel para escapar a cerco da polícia

por RTP
Os manifestantes usam máscaras de gás para resistirem ao gás lacrimogéneo e simultaneamente ocultarem a sua identidade Reuters

Numa iniciativa digna de filme, algumas dezenas de manifestantes cercados pela polícia num campus universitário de Hong Kong, conseguiram fugir de forma espetacular aos agentes de autoridade, esta segunda-feira à noite.

A partir de uma passagem no campus do Politécnico Universitário de Hong Kong, um dos bastiões da revolta, os estudantes fizeram rapel e foram depois recolhidos, sob uma chuva de projeteis disprados pela polícia, por motards em vagas que os esperavam, em baixo.

É impossível determinar quantos estudantes permaneceram no campus e quantos escaparam. O cerco à universidade iniciou-se esta segunda-feira de manhã, com a polícia a deter centenas de estudantes nos arredores do campus, obrigando muitos a estenderem-se no chão, à bastonada.

A zona está considerada "zona de motim", um crime punível com 10 anos de prisão.

Antes da fuga espetacular, Cheuk Hau-Yip, um comandante da polícia, mostrava-se confiante no resultado da operação de cerco.

"Além de se renderem, não vejo outra opção viável para eles", declarou em conferência de imprensa.

Uma estudante de 10 anos, que se identificou apenas como K, testemunhou a primeira reação dos estudantes tomados reféns. "Alguns choravam, outros estavam furiosos", relatou citada pela Agência France Presse, "porque não tinham possibilidade de sair do campus".

Poderá estar meia centena de estudantes retida no Poltécnico. "A polícia não os deixa sair. Aparentemente quer detenções em massa", relata na rede Twitter o senador norte-americano Josh Hawley, levantando a possibilidade de Pequim estar a violar tratados internacionais.
Resistência
A algumas centenas de metros da universidade, a polícia usou granadas de gás lacrimogéneo e canhões de água, para dispersar centenas de manifestantes que se dirigiram à universidade e ergueram barricadas para tentar auxiliar a fuga dos estudantes cercados, através de manobras de diversão.

À noite, usando guarda-chuvas para se protegerem das granadas de gás e da força dos canhões de água,várias dezenas de pessoas juntaram-se ao longo da placa central da Rua Nathan, para encher garafas com petróleo de forma a fazer bombas artesanais, uma arma cada vez mais utilizada pela revolta.

Revolta em Hong Kong, 18 novembro de 2019. Foto: Reuters

Algumas centenas de estudantes retidos tentaram forçar o cerco às primeiras horas da manhã, depois de incendiarem parte do edifício durante a noite, mas foram rechaçados.

"A polícia pode não invadir o campus mas o mais provável será tentarem apanhar as pessoas à medida que elas tentam fugir", declarou à Agência Reuters um deputado democrático, Hui Chi-fung.

"Não estou otimista. Podem ser todos detidos no campus. Deputados e a gerência da universidade tentaram negociar com a polícia nas falharam", acrescentou.

Os cordões policiais impediram residentes de passar e esta segunda-feira, todas as lojas ao longo da rua, habitualmente uma das mais movimentadas da cidade, mantiveram-se encerradas.

À meia noite local, véspera de terça-feira, as forças de choque continuavam a deter grandes grupos de pessoas, empurrando-as contra a parede e disparando canhões de água, de chofre e a curta distância, contra a multidão.

 
Radicalização
A polícia tem ameaçado usar "munição real", devido às "armas letais" utilizadas pelos manifestantes mais radicais, que lançaram cocktails Molotov contra as forças da ordem.

A contestação em Hong Kong dura há quase seis meses. Inicialmente de natureza pacífica, radicalizou-se na semana passada de forma tão violenta que levou ao encerramento de escolas. O executivo de Hong Kong, alinhado com Pequim, tem-se recusado a ceder às exigências dos manifestantes, que reivindicam eleições gerais na magalópole de 7,5 milhões de habitantes, assim como um inquérito ao que classificam como violência policial.

A China já avisou várias vezes que não irá tolerar qualquer dissidência da metrópole, administrada de forma autónoma e sob regras diferentes do resto do país.

Pequim enviou tropas para a fronteira com Hong Kong, mas os soldados ainda não entraram na cidade, apesar do receio quanto a uma intervenção musculada crescer todos os dias.

Há quem afirme que, na verdade, o exército chinês já entrou em Hong Kong e está a agir nas ruas envergando o uniforme policial.

A violência que se tem registado nas últimas horas em torno do Politécnico Universitário tem sido alvo de múltiplas denúncias na rede Twitter, sob a hashtag #TianamenSquareMassacre2019.


Muitos observadores comparam a situação das últimas horas em Hong Kong ao ocorrido na Praça Tianamen, em Pequim.

Os números referentes a suicídios entre jovens subiu dramaticamente nos últimos seis meses e avulumam-se as suspeitas de que as autoridades estarão a encená-los, de forma a desembaraçar-se de estudantes detidos.

Alguns soldados chineses, estacionados em Hong Kong desde a retrocessão da região em 1997 e às ordens de Pequim, saíram este fim-de-semana das casernas para limpar as ruas de barricadas erguidas durante os protestos da semana passada.
Ameaças
Há uma semana, a contestação iniciou uma nova fase, apelidada "florir por todo o lado", multiplicando por toda a cidade ações de bloqueios, confrontos ou vandalismos, de forma a por à prova ao máximo as capacidades da polícia.

Em consequência, durante cinco dias a generalidade dos meios de transporte manteve-se de portas fechadas e as escolas nem abriram.

Os manifestantes querem "estrangular a economia" de um dos principais centros financeiros do mundo, que entrou entretanto em recessão.

O Presidente chinês, Xi Jinping, deixou a semana passada a sua ameaça menos velada, avisando os revoltosos que a contestação ameaça o princípio "um país, dois sistemas", que orientou a retrocessão há 22 anos.

A nova estratégia dos manifestantes acabou entretanto por centrar a contestação em lugares como os campus universitários, e levou ao agravamento dos confrontos, sobretudo em torno do Politécnico, invadido por centenas de estudantes durante o fim de semana.

Segiu-se o cerco policial.

Acabar com a violência e "restaurar a ordem", são agora as prioridades em Hong Kong, considerou já o ministro chinês da Defesa, Wu Qian.

Até agora, a única pequena vitória dos manifestantes foi a decisão do Supremo Tribunal de considerar anti-constitucional a proibição de usar máscara, imposta pelo governo para desencorajar os protestos.
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