Incerteza marca nova fase da guerra comercial entre Washington e Pequim

por Andreia Martins - RTP
Jerome Favre - EPA

Os novos desenvolvimentos no diferendo comercial entre os Estados Unidos e a China vieram lançar ainda mais dúvidas sobre os próximos passos que os dois lados deverão adotar. Se, por um lado, a Administração Trump está pronta para aplicar taxas à totalidade das importações de produtos chineses, a China não deverá conseguir responder na mesma moeda, uma vez que o volume de compras chinesas ao mercado norte-americano é muito inferior. No entanto, o Governo liderado por Xi Jinping poderá arriscar outras medidas retaliatórias de consequências imprevisíveis para o comércio mundial.

No início da semana, quando o Presidente norte-americano anunciou a imposição de novas taxas alfandegárias sobre bens chineses equivalentes a 200 mil milhões de dólares (cerca de 171 mil milhões de euros), a China ficou desde logo avisada: em caso de retaliação por parte de Pequim, os Estados Unidos estão prontos para avançar para a próxima fase, com a aplicação de novas taxas adicionais no valor de 267 mil milhões de dólares.

Com esta nova medida, as tarifas seriam aplicadas a bens chineses num valor superior a 500 mil milhões de dólares, ou seja, praticamente todos os produtos de Pequim para Washington seriam alvo dos novos impostos.  

Para já, as novas tarifas vigentes no valor de 200 mil milhões de dólares vão começar em 10 por cento já a partir de segunda-feira, 24 de setembro, e vão subir para 25 por cento a partir de 1 de janeiro. Em resposta, a China comunicou a aplicação de novas taxas alfandegárias contra os Estados Unidos, ainda que num número bastante mais reduzido – equivalente a 60 mil milhões de dólares em importações (51 mil milhões de dólares), em percentagens variáveis de 5 a 10 por cento, dependendo do produto.  

Em causa neste conflito está a tentativa de pressionar Pequim a reduzir o “trade gap”, isto é, o excedente comercial com os Estados Unidos, que ultrapassa os 375 mil milhões de dólares. Washington acusa Pequim de “práticas comerciais desleais”, bem como de roubo de propriedade intelectual e de pressão excessiva exercida sobre empresas norte-americanas para a utilização de tecnologia valiosa como condição necessária para fazer negócios na China.  

A postura chinesa está em muito ligada à política daquele país para o setor tecnológico, delineada no plano “Made in China 2025”. Esta medida visa transformar o país numa potência tecnológica em setores de grande relevância científica e financeira, desde a robótica à inteligência artificial ou energias renováveis.  

Os Estados Unidos entendem que este plano viola os compromissos de abertura do mercado chinês ao resto do mundo, ao forçar empresas estrangeiras a delegarem conhecimentos, ao mesmo tempo que privilegia a proteção às empresas internas.   

As consequências deste confronto poderão ultrapassar a vertente comercial. Desde que se iniciou o conflito, a China tem-se mostrado menos cooperante na questão da desnuclearização da Coreia do Norte, questão em que Pequim assume um papel predominante, uma vez que é o único aliado de peso de Pyongyang.  

“Eles têm ajudado. Espero que continuem a ajudar. Mas isto chegou a um ponto em que os números eram demasiado grandes. A China reconstruiu o país com quantidades enormes de dinheiro que saíram dos Estados Unidos. E eu quis mudar isso”, afirmou Donald Trump durante uma conferência de imprensa na terça-feira. 
China engendra novas respostas?

Nesta guerra comercial entre as duas maiores economias do planeta, é a China que aparenta estar a ficar sem mais cartuchos. É que o colosso asiático importa quase quatro vezes menos produtos e bens do que aqueles que exporta para os Estados Unidos.  

No ano passado, Washington importou 506 mil milhões de dólares em produtos chineses, enquanto Pequim comprou bens no valor de 130 mil milhões, segundo as estimativas do Governo federal norte-americano.  

As novas circunstâncias são claras: a China deixou de ter margem de manobra para responder aos Estados Unidos na lógica de reciprocidade que foi seguida perante as anteriores taxas aplicadas por Washington, num primeiro momento em julho, na imposição de taxas adicionais de 25 por cento em produtos chineses no valor de 34 mil milhões de dólares, e mais tarde em agosto, na aplicação de uma nova taxa de 25 por cento em quase 300 produtos chineses, no valor de 16 mil milhões de dólares.   

Numa primeira fase, os mercados olharam para as tarifas adicionais sobre o equivalente a 60 mil milhões de dólares de produtos norte-americanos como um possível abrandamento da guerra comercial em curso.

“A China retaliou com tarifas sobre o equivalente a 60 mil milhões de dólares de produtos norte-americanos, quando os EUA impuseram tarifas sobre bens chineses equivalentes a 200 mil milhões de dólares. Isto poderá ser o início de uma diminuição gradual da tensão existente”, referiu Brian Jacobsen, um estratega do Wells Fargo, em declarações à agência Bloomberg.  

Em entrevista à CNBC, o secretário norte-americano do Comércio, Wilbur Ross, concluiu que a China “está sem cartuchos” no que diz respeito às tarifas aduaneiras.  

No entanto, a China também não quer perder esta guerra naquela que é uma das principais frentes de batalha de modernização do país para o Presidente Xi Jinping. O próximo passo poderá ir no sentido de prejudicar as várias empresas multinacionais norte-americanas que operam em território chinês, nomeadamente a Apple ou a Boeing, até porque Pequim já tomou decisões do mesmo calibre em situações de conflito com a Coreia do Sul, por exemplo.  

Segundo a CNN, algumas destas empresas a operar na China já estão a enfrentar dificuldades, como atrasos nas alfândegas ou mesmo mais inspeções pelos reguladores daquele país. Outras medidas possíveis seriam, por exemplo, o apelo ao boicote de marcas norte-americanas nos media estatais, ou ainda a perturbação de cadeias de fornecimento.  

A CBS News antecipa outras medidas que possam perturbar a operação das empresas no mercado chinês, nomeadamente com o atraso na cedência de vistos ou a adoção de regras de saúde e segurança que possam comprometer a atividade das mesmas. Existe ainda a possibilidade de bloquear a exportação de materiais raros e de enorme relevância para os Estados Unidos, como metais raros, mas também a mudança de foco na economia para as relações com outras áreas do globo, desde o Sudoeste Asiático a África.  

Jethro Mullen, da cadeia televisiva CNN, entende que estas medidas poderiam ser prejudiciais para o próprio mercado chinês, uma vez que estariam a alienar empresas e empregos criados pelos Estados Unidos dentro do próprio país, bem como a afugentar novos investimentos provenientes de Washington.  

A Bloomberg salienta, no mesmo sentido, que estas mudanças poderão trazer ainda mais prejuízos para a China e beneficiar novos países de extrema relevância para as cadeias de fornecimento, como o Vietname, Tailândia, Índia ou México.  

Apoiantes de Trump (ainda) apoiam tarifas

Ainda antes de ter sido anunciada a nova ronda de taxas alfandegárias, a China e os Estados Unidos estavam a preparar uma ronda de negociações para a próxima semana, no sentido de procurar uma solução para a guerra comercial. Agora, é dúbio que este encontro entre as duas delegações se realize sequer.  

Na terça-feira, Geng Shuang, porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, admitia que as últimas medidas da Administração norte-americana tinham “criado incerteza” nas negociações, mas não indicou se Pequim marcaria ou não presença nas conversações.

“O lado chinês tem enfatizado de forma contínua que a única forma de resolver esta disputa comercial entre a China e os Estados Unidos é através de conversações, com base na equidade, integridade e respeito mútuo. Mas o que o lado norte-americano tem feitio  não mostra sinceridade ou boa vontade”, disse o responsável. 

Larry Kudlow, conselheiro da Casa Branca para questões económicas, assegurou que os Estados Unidos continuam dispostos a dialogar com a China caso Pequim “esteja disponível para conversações sérias”.  

Há quem entenda, no entanto, que qualquer posição por parte da China não viria a alterar o comportamento norte-americano. “O principal objetivo destas tarifas nem será, provavelmente, trazer Pequim à mesa das negociações. Será antes uma forma de forçar as empresas multinacionais norte-americanas a saírem da China, para que a interdependência entre as duas economias rivais seja reduzida. Contra este objetivo, não existe qualquer oferta chinesa que possa levantar as taxas impostas”, considera Arthur Kroeber, analista na firma Gavekal, em declarações à CNN.  

A nível interno, a posição adotada por Trump continua a ser popular nas suas bases de apoio, segundo revela o jornal The New York Times. “Os eleitores republicanos espalhados pelo país aprovam as tarifas de Donald Trump quase tanto quanto declaram apoio aos cortes de impostos”, concluiu o inquérito do diário norte-americano.  

Além disso, existe a perceção de que esta guerra só está a afetar o país asiático. Um responsável norte-americano afirmava na segunda-feira que as tarifas “estão a ter feitos na China, mas ainda não tiveram quaisquer efeitos nos Estados Unidos até ao momento”.  

Mas se as taxas sobre produtos chineses visam sobretudo afetar o setor tecnológico em expansão, numa visão geoestratégica de tentar impedir o plano de Pequim para 2025, a China tem respondido com a aplicação de tarifas alfandegárias em produtos predominantes nos Estados norte-americanos de maioria republicana, com taxas que visam sobretudo a agricultura, a pecuária e a indústria.  

A guerra comercial poderá colher efeitos imprevisíveis nas eleições intercalares que se realizam em novembro, mas Donald Trump acredita que a sua base de apoio não se demove perante as novas tarifas alfandegárias.

“A China declarou abertamente que está a tentar ter impacto nas eleições, ao atacar os nossos agricultores, os nossos trabalhadores industriais, devido à sua lealdade para comigo. O que a China não sabe é que estas pessoas são grandes patriotas”, disse o Presidente norte-americano na terça-feira.  

No entanto, os efeitos deste conflito já se fazem sentir no mercado norte-americano. Ainda esta quarta-feira, o responsável pela agricultura do Estado do Iowa, Mike Naig, afirmou que as tensões comerciais entre a China e os Estados Unidos “não poderiam ter chegado em pior altura”, ao destacar que se iniciam nesta altura do ano as colheiras de soja e milho, duas das principais mercadorias visadas por Pequim.  

Também esta quarta-feira, o fundador da cadeia chinesa Alibaba, anunciou que já não pretende investir nos Estados Unidos. Jack Ma tinha prometido pessoalmente a Donald Trump a criação de um milhão de empregos nos Estados Unidos durante um encontro ainda antes da tomada de posse, em janeiro de 2017.

“A promessa foi feita com a premissa de uma parceria amigável e de relações comerciais racionais entre Estados Unidos e China. Essa premissa deixou de existir, por isso a promessa não poderá ser cumprida”, referiu um magnata chinês à agência estatal Xinhua. 
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