Uma pesquisa da organização não-governamental Earthsight, publicada esta quarta-feira, acusa multinacionais automóveis, como a BMW e a Jaguar Land Rover, de serem cúmplices da desflorestação de uma área protegida na América do Sul, habitada por uma tribo indígena, através da produção de couro. A ONG sublinha que esta é apenas “a ponta muito suja de um iceberg muito maior”.
Para além dos claros danos ambientais, a sobreexploração nesta região constitui também uma ameaça aos Ayoreo Totobiegosode, o único povo indígena a viver em isolamento voluntário na América, fora da Amazónia.
Tanto a BMW como a Jaguar Land Rover são clientes da Pasubio Leather, a maior fornecedora a nível mundial de couro para a indústria automóvel e, por sua vez, a maior consumidora deste material com origem no Paraguai. A Pasubio acusa agora a Earthsight de estar a “atacar” todo este ramo da indústria.
A Jaguar Land Rover não negou as alegações e abriu uma investigação. A empresa afirmou, porém, que, “até ao momento, não temos informações de que as [nossas] cadeias de fornecimento de couro na América Latina são afetadas pelos problemas [expostos pela Earthsight]”.
A indústria automóvel é também uma grande cliente de couro da Amazónia, onde a desflorestação ilegal é um problema comum. Estima-se que no ramo automobilístico sejam utilizadas entre 50 e a 60 milhões de cabeças de gado a cada ano para a produção de couro, um negócio global que rende cerca de 30 mil milhões de dólares.
Descobertas são “a ponta do iceberg muito maior”
As informações agora expostas pela Earthsight são resultado de uma investigação exaustiva de 18 meses que incluiu reuniões secretas com fábricas de curtumes, visitas a várias fazendas e entrevistas com denunciantes do Governo e ativistas. Pelos documentos de entrega, a ONG percebeu que grande parte do couro processado no Paraguai se destinava à indústria automobilística europeia.
Em conversa com a Earthsight, os gerentes das fábricas de curtumes mostraram até orgulho em afirmar que o seu couro era utilizado no Range Rover Evoque ou pela marca de luxo Lamborghini.
O foco da investigação foi na região do Gran Chaco, que abrange partes dos territórios da Bolívia, Argentina, Paraguai e Brasil. No entanto, é na região do Paraguai onde a desflorestação é mais preocupante, com a área florestal a desaparecer a uma maior velocidade do que em qualquer parte do mundo. A Earthsight estima mesmo que de dois em dois minutos desaparece uma superfície florestal equivalente a um campo de futebol, principalmente destinada à criação de gado de forma a atender à procura internacional.
A investigação “Grand Theft Chaco” denuncia como a corrupção dos Governos e interesses comerciais em todo o Paraguai estão a alimentar esta crise ambiental.
Em 2001, o Governo paraguaio protegeu uma área de 550 mil hectares como património cultural do povo Totobiegosode. Para além disso, a partir de 2018, a desflorestação de áreas das comunidades indígenas passou a ser indiscutivelmente ilegal após críticas de organizações dos direitos humanos. No entanto, num Paraguai que é ainda caracterizado por uma extrema desigualdade, com apenas dois por cento dos proprietários rurais a controlarem cerca de 90 por cento da área agrícola, as escavadoras continuaram a arrasar as terras deste povo indígena. A Earthsight afirma mesmo que, entre abril de 2018 e julho de 2020, mais de 2.600 hectares de floresta foram abatidos ilegalmente.
A ONG sublinha, porém, que todas estas descobertas constituem apenas “a ponta muito suja de um iceberg muito maior” relacionado com a desflorestação e abuso dos direitos humanos, dado que o relatório destaca que nenhum dos dez maiores produtores europeus de carros revestidos de couro admite ser capaz de monitorizar totalmente as origens do couro utilizado nas suas fábricas.
O relatório salienta a necessidade urgente de legislação da União Europeia e do Reino Unido para responder à cumplicidade corporativa em abusos ambientais e de direitos humanos.
“Isto simplesmente não deveria acontecer. E isto está longe de ser um caso isolado. A Europa está inundada de produtos da desflorestação e da violação dos direitos humanos. As grandes empresas falharam totalmente na tarefa de fazer a coisa certa. Já está na altura de os Governos a fazerem”, concluiu Lawson.