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Irão assume estragos "significativos" após incêndio em central nuclear

por Andreia Martins - RTP
A fotografia disponibilizada pela Organização de Energia Atómica do Irão mostra o edifício da central nuclear de Natanz que ficou danificado pelo incêndio. EPA

As autoridades iranianas assumiram este domingo que o incêndio da semana passada, em Natanz, provocou “danos significativos” que poderão ter reflexos no desenvolvimento do programa nuclear do país. Na sexta-feira, as mesmas autoridades informavam que o impacto do incêndio tinha sido "limitado".

O porta-voz da Organização de Energia Atómica do Irão (AEOI, na sigla em inglês), Behrouz Kamalvandi, referiu no domingo que o incêndio de quinta-feira passada não provocou nenhuma morte, mas levou a “perdas financeiras significativas”, sem esclarecer ao certo o que provocou o incidente em Natanz, cerca de 250 quilómetros a sul de Teerão, naquela que é considerada a maior instalação iraniana para o enriquecimento de urânio.

De acordo com os especialistas, a central nuclear de Natanz é essencial para o desenvolvimento e montagem de centrifugadoras de enriquecimento de urânio. Em declarações à agência estatal de notícias, a IRNA, o porta-voz da AEOI esclareceu que o incidente não teve impacto no enriquecimento de urânio em curso, mas antes na construção e desenvolvimento “a médio prazo” de tecnologias mais avançadas.

As autoridades iranianas afirmam que a “principal causa” deste incidente foi identificada, mas não será divulgada publicamente devido a preocupações securitárias, informou o porta-voz do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irão, Keyvan Khosravi.

Também sobre este incêndio, o governador de Natanz, Ramazanali Ferdowsi, esclareceu que o fogo apenas danificou um edifício em construção dentro do complexo nuclear, não tendo afetado as principais instalações.

Na sexta-feira, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) anunciou que foi informada por Teerão sobre o incêndio de Natanz, do qual não resultaram “feridos” ou “contaminação radioativa”.  As autoridades iranianas garantiram ainda à AIEA que o incêndio foi “rapidamente extinto”.

Este foi mais um misterioso incidente registado em território iraniano, apenas seis dias depois de uma grande explosão perto do complexo militar de Parchin, nos arredores de Teerão. Várias potências ocidentais suspeitam que este local sirva para a realização de testes com ogivas nucleares, ainda que o Irão continue a defender que o programa nuclear do país sirva apenas fins pacíficos.

No sábado, outra explosão na central de Zargan, em Ahvaz, foi reportada pelos media estatais. O incêndio terá sido dominado e a eletricidade reposta.
Impasse em torno do acordo

A especulação em volta destes acontecimentos sugere que os ataques possam ter sido perpetrados por Israel, com os especialistas a recordarem o que se passou há precisamente uma década, quando o vírus informático “Stuxnet”, alegadamente implantado por israelitas e norte-americanos, destruiu as centrifugadoras de Natanz.

No entanto, Israel nega as acusações: “Nem tudo o que acontece no Irão está necessariamente ligado a nós”, disse Benny Gantz, ministro israelita da Defesa e primeiro-ministro em alternância com Benjamin Netanyahu, durante uma entrevista a uma rádio israelita no domingo.

Há dez anos, estes ataques informáticos lançados em larga escala contra infraestruturas iranianas ocorreram no contexto do fracasso das negociações diplomáticas de um acordo sobre o programa nuclear iraniano. Agora, uma década volvida, estes incidentes surgem num momento em que o entendimento - que foi alcançado em 2015 entre o Irão e os cinco membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais a Alemanha - nunca esteve tão perto de desmoronar por completo.

Em maio de 2018, os Estados Unidos decidiram abandonar unilateralmente o acordo, conhecido formalmente como Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA). O entendimento firmado entre Teerão e as seis potências estabelecia vários limites ao programa nuclear iraniano, bem como a vigilância apertada das instalações iranianas, incluindo Natanz, por parte da AIEA. Em troca, a comunidade internacional garantia a suspensão de várias sanções económicas e financeiras com efeitos muito prejudiciais para a República Islâmica.

Com a retirada de Washington, há dois anos, já sob a Administração Trump, muitas das sanções foram repostas, agravando-se mesmo em relação ao regime sancionatório que vigorava antes do acordo.

O Irão, que segundo a AIEA havia cumprido até então com os termos do entendimento, começou no ano passado a ultrapassar os vários limites estabelecidos, quer ao nível do armazenamento mas também da percentagem do enriquecimento de urânio armazenado, que pode, a níveis elevados de concentração de U-235, servir propósitos militares. A CNN divulgou em março último um relatório confidencial da organização onde é revelado que Teerão triplicou o stock de urânio enriquecido ao longo dos últimos meses.

França, Reino Unido e Alemanha, inicialmente relutantes em rasgar o acordo, ativaram em janeiro o mecanismo de resolução de disputas contra o Irão, ação que equivale a acusar formalmente uma das partes de ter violado os termos do acordo.

Esta decisão poderá levar, em última análise, à restituição das várias sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que tinham sido levantadas com a assinatura do acordo, e constituir o fim efetivo deste entendimento que tem por objetivo limitar as ambições nucleares de Teerão. Quando ativado, este mecanismo de resolução de disputas estabelece um período de 15 dias (que pode ser prolongado indefinidamente, como acontece desde janeiro) para resolver o tema de divergência entre as partes. 

As negociações estiveram praticamente paradas durante os últimos meses, mas na última sexta-feira o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, confirmou que recebeu de Teerão uma carta que inicia, também do lado iraniano, o mecanismo de resolução de disputas.

Na missiva enviada à União Europeia, o Irão, que já ameaçou abandonar o acordo e até mesmo rasgar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), menciona "preocupações com questões de implementação por parte da França, Alemanha e Reino Unido". Desde que os EUA abandonaram o acordo, Teerão tem acusado as potências europeias de não conseguirem compensar a República Islâmica perante os efeitos nocivos das novas sanções norte-americanas.

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