Iraque. Repressão violenta de protestos continua em Bagdade e Kerbala

por RTP
Um polícia aponta a sua arma diretamente contra um manifestante, durante as manifestações de sexta-feira 8 de novembro em Bagdade, Iraque Reuters

Forças de segurança iraquianas dispararam granadas de gás lacrimogéneo e de atordoamento esta sexta-feira, em Bagdade, diretamente contra centenas de manifestantes protegidos por capacetes, máscaras de gás e proteções corporais improvisadas.

Perante o ataque, os manifestantes fugiram em todas as direções, muitos deles feridos, mas não deram sinais de fraquejar. Os desafios às autoridades e a resposta violenta duraram horas.

Um jornalista da Al Jazeera, Mohamed Jamjoum, disse que a atmosfera no local, que incluiu a praça Tharir e uma das principais ruas da capital iraquiana, era de "resolução" e que as pessoas não ficaram atemorizadas pela violência.

"Os manifestantes estão determinados em dizer ao Governo que irão regressar às ruas até conseguirem serviços básicos e o fim da corrupção", referiu Jamjoum.

A maior autoridade da comunidade xiita iraquiana, o grande ayatolla Ali al-Sistani, criticou esta sexta-feira a repressão violenta dos manifestantes, maioritariamente pacíficos e desarmados, a qual mais não fez do que aumentar a revolta.

As suas palavras não convenceram ainda assim os revoltosos, que lhe têm criticado a falta de apoio e o veem como parte do sistema responsável pela miséria do país.

A maioria são jovens desempregados, que exigem uma mudança completa do sistema político, e a substituição de uma classe dirigente corrupta que dominou as instituições iraquianas após a queda de Saddam Hussein às mãos de tropas americanas, em 2003.
Granadas cravadas nos corpos
A revolta contra a falta de empregos e de serviços públicos estalou dia 1 de outubro passado, de Bagdade ao sul do Iraque. O balanço mais recente apontava mais de 260 manifestantes mortos pela repressão, agravada pelo uso de fogo real por parte das forças da ordem.

Quinta-feira morreram em Bagdade seis manifestantes, de acordo com fontes médicas e da polícia. A sul, em Bassorá, contaram-se pelo menos mais cinco vítimas mortais entre quinta e sexta-feira de manhã, vitimas das tentativas musculadas da polícia e de paramilitares para abrir ruas bloqueadas por grupos de pessoas sentadas. O acesso ao porto local de Umm Qasr, porta de entrada das importações iraquianas de alimentos e medicamentos, está bloqueado há uma semana pelos protestos.

Grupos defensores dos Direitos Humanos denunciaram a resposta da polícia e dos grupos paramilitares, pelo uso continuado de munições reais e por dispararem as granadas de gás diretamente contra os corpos dos manifestantes, em vez de as lançarem na direção geral das multidões.

Pelo menos 16 pessoas morreram devido a esta tática, alertou a Human Rights Watch esta sexta-feira. Médicos mostraram aos jornalistas da Agência Reuters imagens de granadas de gás cravadas nos crânios das vítimas.

A Amnistia Internacional revelou que as granadas, de grau militar, eram de fabrico sérvio e iraniano.

A intimidação e detenção de ativistas e de médicos, que têm estado a ser alegadamente seguidos por forças de segurança à paisana, fizeram também soar as campainhas de alarme.
Sou a "mãe do mártir"
Após semanas de violência, o grande ayatolla Al-Sistani apelou ao Governo para satisfazer urgentemente as exigências dos manifestantes e alertou contra o aproveitamento da revolta por parte de forças "internas e externas", sem mais referências.

Apontou, sim, o dedo às forças da ordem, que responsabilizou por uma eventual escalada dos protestos.

"A maior responsabilidade cabe às forças de segurança", proclamou um dos representantes de Al-Sistani durante um sermão, esta sexta-feira, na cidade santa de Kerbala. "Devem evitar usar força excessiva contra manifestantes pacíficos", aconselhou ainda, deixando um apelo à calma.

Palavras ocas, no entender de muitos que invadiram as ruas das cidades iraquianas.

"Ele diz que apoia os protestos e que eles deviam continuar mas não tem ajudado. De qualquer modo, o discurso não fará qualquer diferença", afirmou à Reuters uma mulher em Bagdade, que perdeu o filho, morto nos confrontos.

"Sou mãe de um estudante. Eles tiraram-lhe a vida", acusou, dando como nome Umm al-Shaheed, que em árabe significa 'mãe do mártir'.


Subsídios para os mais pobres, promessas de combate à corrupção e a criação de mais oportunidades de emprego para licenciados foram insuficientes para aplacar as multidões.

Os manifestantes querem um novo sistema eleitoral e o afastamento dos atuais líderes políticos, e rejeitam a interferência de potências externas no país - nomeadamente dos Estados Unidos ou do Irão.

Este último tem sido um alvo específico da sólera pública,
que apoia os partidos e grupos paramilitares que têm dominado o Governo de Bagdade e as instituições estatais.

De acordo com a Reuters, durante o mês passado foram usados snipers das milícias apoiadas pelo Irão, contra os manifestantes.
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