Israel. Apelo à transferência de embaixadas aproveita mais aos palestinianos

por RTP
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel Reuters

A recente iniciativa diplomática de Israel, para obter reconhecimento internacional através da transferência de embaixadas para Jerusalém, está a tornar-se um pesadelo para o primeiro ministro Benjamin Netanyahu. O tiro está a sair-lhe pela culatra.

Ou, no caso mais recente, o fiasco assemelha-se mais a um boomerang, já que foi a Austrália quem, no sábado 15 de dezembro e em nova resposta ao convite israelita, aproveitou para frisar, de novo, o seu apoio à causa palestiniana.

A princípio, as declarações do primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, pareciam uma vitória de Israel.

"A Australia reconhece agora que Jerusalém ocidental, como a sede do Knesset [o Parlamento israelita] e de muitas das suas instituições governamentais, é a capital de Israel", afirmou o primeiro-ministro australiano.


Logo depois, Morrison lançou um balde de água fria sobre um eventual entusiasmo israelita.

"O Governo australiano resolveu também reconhecer as aspirações do povo palestiniano a um futuro Estado com uma capital em Jerusalém oriental", disse, referindo também a adesão da Austrália às resoluções das Nações Unidas 478 e 2334, que condenam sem rodeios a anexação de Jerusalém oriental por parte de Israel.

O primeiro ministro australiano criticou também duramente a política israelita de conquista de território através de colonatos.

Não se tratou exatamente de uma declaração oficial do Governo, já que Morrison discursava sobre política internacional no Instituto de Sidney. As ondas de choque que se seguiram foram contudo bem sentidas pelo Governo israelita.
Canberra alinhada com Moscovo
Ao mesmo tempo que prometeu abrir "um posto comercial e de defesa em Jerusalém ocidental" e começar a procurar locais para uma eventual embaixada na mesma zona, Morrison frisou também que a transferência só se daria "depois de uma determinação final do estatuto" da cidade, negociada pelas partes - Israel e Palestina.

Já a 16 de outubro passado, Morrison e a sua ministra dos Negócios Estrangeiros, Marise Payne, haviam anunciado que estavam a "admitir o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, sem prejuízo das suas fronteiras finais".

Numa declaração conjunta, afirmaram na altura estar a estudar a transferência da embaixada australiana para Jerusalém ocidental, ao mesmo tempo que reconheceriam a parte leste como "a expectável capital de um futuro Estado Palestiniano".

A declaração assemelhava-se à da Russia, em Abril de 2017, que reconheceu então formalmente Jerusalém ocidental como capital israelita, sublinhando por outro lado que a zona oriental seria a "futura capital do Estado Palestiniano".
Vitória amarga
Se o Governo israelita engoliu em seco a declaração russa, em outubro mostrou-se conciliador com a Austrália. Netanyahu telefonou a Morrison para lhe agradecer.

"Jerusalém sempre foi e sempre será a capital de Israel, e o reconhecimento disto é o reconhecimento de um facto indisputável", afirmou em outubro a embaixada de Israel em Canberra, através de um comunicado oficial.

As declarações de Morrison este fim de semana, foram por isso uma total desilusão, que a diplomacia israelita nem tentou esconder.

Se o reconhecimento australiano do direito de Israel à zona ocidental de Jerusalém pode ser celebrado como vitória, esta tem indiscutivelmente um sabor amargo.

O objetivo de Netanyahu com a transferência das embaixadas, era levar ao reconhecimento tácito mundial das pretensões israelitas à posse de toda a cidade, que domina desde a conquista da zona leste e da cidade velha de Jerusalém à Jordânia, em 1967.

Se o plano resultasse, a reivindicação palestiniana à posse da parte oriental de Jerusalém como futura capital do Estado Palestiniano, ficaria condenada. E a lei internacional seria letra morta.
Tiro pela culatra
Trump fez a vontade a Netanyahu, ao anunciar há um ano a transferência da embaixada dos EUA em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém. O atual Presidente dos Estados Unidos frisou depois que a questão de Jerusalém estava "resolvida".

Entusiasmado com o apoio do Presidente Donald Trump, Netanyahu estendeu o convite de transferência da sede diplomática a todos os países com quem tem relações oficiais e, em abril, garantiu a existência de meia dúzia de países interessados na mudança.

A confiança esfumou-se entretanto. Doze meses depois do anúncio norte-americano, apenas três países seguiram o exemplo de Washington e um, o Paraguai, arrepiou caminho regressando a Tel Aviv.

Além dos Estados Unidos, só a Guatemala instalou também até agora a sua sede diplomática em Jerusalém. E até Trump, devido à lei interna norte-americana, teve de suspender por seis meses a transeferência dos serviços diplomáticos, um mês depois da inauguração da nova embaixada dos EUA.

Igualmente, quando o Presidente da República Checa, Milos Zeman, anunciou a intenção do país transferir a embaixada para Jerusalém, o Ministério checo dos Negócios Estrangeiros apressou-se a esclarecer que reconhecia como capital israelita apenas a parte da cidade "nas suas fronteiras de 1967".

Agora, a Austrália deu uma nova estocada nos planos de Netanyahu. Resta saber se foi o golpe de misericórdia.
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