João Lourenço continua a desmantelar antiga rede da administração angolana

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
A substituição de Isabel dos Santos na Sonangol é o sinal mais forte da renovação que está a ser operada por João Lourenço Toby Melville, Reuters

O presidente João Lourenço prosseguiu esta quinta-feira a reestruturação da administração deixada por José Eduardo dos Santos, com a ministra da Saúde a exonerar as administrações de dois dos maiores hospitais públicos do país, em Luanda, o inspetor-geral e diretor nacional da Saúde. Esta quarta-feira o alvo fora Isabel dos Santos, retirada do comando da Sonangol numa onda de mudança que em 50 dias de governação renovou as administrações do Banco Nacional de Angola e de várias empresas estatais.

Ontem foi afastada Isabel dos Santos do comando da Sonangol, prontamente substituída por Carlos Saturnino, que havia sido afastado pela filha de José Eduardo dos Santos por alegada má gestão e desvios financeiros, no que sugere uma vingança do até agora secretário de Estado dos Petróleos.

Mas não só, outros filhos do ex-presidente foram já levados por uma onda de mudança que em 50 dias de governação renovou as administrações do Banco Nacional de Angola e de empresas estatais nomeadas pelo anterior presidente.

Dia sem exonerações parece não ser dia em Angola. Hoje sabe-se que a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, exonerou as administrações de dois dos maiores hospitais públicos do país, em Luanda, além do inspetor-geral e diretor nacional da saúde. Com data de 13 de novembro, os despachos determinam o afastamento das direcções do Hospital Américo Boavida e do Hospital Josina Machel.

Trata-se das últimas notícias de uma onda de exonerações que em 50 dias de governação do novo presidente já chegou às chefias do Banco Nacional de Angola e de algumas das principais empresas estatais, incluindo lugares determinantes na administração e na comunicação social.

A grande incógnita quanto à acção de João Lourenço tem ainda a ver com a capacidade para proceder a uma verdadeira consolidação do processo democrático no país, que a oposição diz não estar concluído 42 anos que se passaram sobre a proclamação da independência a 11 de novembro de 1975. Governo português acompanha com "respeito escrupuloso pela soberania de Angola" as exonerações em empresas públicas angolanas, incluindo de filhos do antigo Presidente, de acordo com uma declaração do MNE Augusto Santos Silva.

São dúvidas que o novo presidente quis afastar logo no seu primeiro discurso enquanto chefe de Estado, quando garantiu esforços para cumprir os compromissos assumidos em campanha no combate à corrupção apesar dos “inúmeros obstáculos [que antevia] no caminho”.

As exonerações que têm vindo a ser anunciadas nas últimas semanas e, particularmente, nos últimos dias, podem ser um sinal de que o presidente João Lourenço tem um road map pensado para a nova imagem do país que não conta com as antigas figuras da administração e em concreto com o clã dos Santos.

Mais do que isso, que está disposto a virar o tabuleiro e limpar todas as peças que herdou do reinado de 38 anos de José Eduardo dos Santos.
Renovação ou dança de cadeiras
O sinal mais forte de que poderá estar de facto em curso a renovação da teia de poder em Angola é o afastamento ontem anunciado de Isabel dos Santos, a filha mais velha e delfim do ex-presidente José Eduardo dos Santos, do cargo de presidente do conselho de administração da Sonangol.

A liderança da petrolífera angolana foi de imediato entregue a Carlos Saturnino, até ontem secretário de Estado dos Petróleos. Saturnino regressa assim à Sonangol pela porta grande depois de ter sido afastado da presidência da comissão executiva da empresa por Isabel dos Santos sob a acusação de “má gestão e graves desvios financeiros”.Isabel dos Santos foi nomeada presidente do conselho de administração da Sonangol pelo pai, o então presidente José Eduardo dos Santos, em junho de 2016.

A dança de cadeiras em volta da petrolífera do Estado, eventualmente a empresa mais desejada do país, sugere uma luta de poder e vingança de facções que estarão a reposicionar-se na nova teia de poder em Angola.

Real é o ataque que está a ser feito à rede de influência do ex-presidente, desde logo com o afastamento dos seus filhos de lugares chave da administração. Ontem, além de Isabel dos Santos, foram também visados Welwitshea ‘Tchizé’ e José Paulino dos Santos ‘Coreon Du’. Sócios da Semba Comunicação, viram o presidente João Lourenço ordenar a cessação do contrato para gestão do canal 2 da TPA, a Televisão Pública de Angola.

Há uma semana já tinham sido exoneradas as administrações de todas as empresas públicas de comunicação social, com nomeação imediata de novos administradores para a própria TPA, Rádio Nacional de Angola (RNA), Edições novembro (proprietária do Jornal de Angola) e Agência Angola Press (Angop).

No Palácio Presidencial, disse João Lourenço aos novos administradores, em pleno acto de posse, que “devem procurar encontrar uma linha editorial que sirva de facto o interesse público, que dê voz, que dê espaço aos cidadãos dos mais diferentes extratos sociais, [mas que também] dê espaço às organizações da chamada sociedade civil”.

São cinquenta dias de remodelação contínua desde que João Lourenço tomou posse como novo presidente da República.
E José Filomeno dos Santos?

Escapa para já a esta onda de mudança José Filomeno dos Santos, outro dos filhos de José Eduardo dos Santos, e que se mantém ainda à frente do Fundo Soberano de Angola, que gere ativos do Estado de cinco mil milhões de dólares. Contudo, trata-se também aqui de um dossier sensível, na opinião do ativista angolano Rafael Marques, que veio já exigir a exoneração de José Filomeno dos Santos, face aos “indícios suficientes de incompetência” na gestão daquele dinheiro."Como presidente do MPLA, [Eduardo dos Santos] continua a ter grande poder. E foi isso que se viu na última reunião do Comité Central, quando João Lourenço, como Presidente da República e subordinado do partido, teve de ser sujeito a um lugar modesto na sala de reuniões. Mas João Lourenço tem poderes constitucionais e pode agir em função deles".

“O presidente nem sequer deve esperar pela conclusão do inquérito, porque, tendo indícios suficientes de que este dinheiro foi investido como os ‘Paradise Papers’ divulgam, é razão suficiente para demitir o presidente do Fundo Soberano”, sublinhou Rafael Marques, ouvido pela agência Lusa.

O ativista angolano considera que José Filomeno dos Santos demonstrou ‘incompetência’ ao entregar ao empresário Jean-Claude Bastos de Morais, da Quantum Global, 5.000 milhões de dólares para financiar investimentos dentro e fora do país.

“Nem sequer estamos ainda a falar de ter cometido um crime, mas por pura incompetência ao entregar cinco mil milhões de dólares para um indivíduo usar como se fossem fundos seus e tirar lucros absurdos em consultorias e outras cobranças para investir o dinheiro do fundo nos seus próprios projetos, que são também uma fraude. Ando a denunciar as fraudes de Jean-Claude Bastos de Morais há anos”, lembrou Rafael Marques, que diz que o caso nem é uma questão de [o presidente angolano] João Lourenço “acertar contas com o passivo” deixado pelo anterior presidente [José Eduardo dos Santos] mas “fazer justiça à promessa de combate à corrupção”.
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