O massacre da última quarta-feira na escola secundária Marjory Stoneman Douglas de Parkland, Florida, colocou de novo a questão do controlo das armas na agenda norte-americana. Mas, desta vez, quem tomou os microfones não foram nem as vozes anti-armas nem a poderosa NRA - National Rifle Association, acérrima defensora da segunda emenda. Foram os próprios estudantes, que se juntaram em manifestações e procuram agora organizar uma grande marcha em Washington, sede do poder federal nos Estados Unidos.
Na quarta-feira, o massacre de 17 pessoas levado a cabo por Nikolas Cruz, 19 anos, um ex-aluno da Marjory Stoneman Douglas, voltou a levantar a questão da compra e circulação de armas de grande calibre no país.
No que vai de ano, este é já o 18.º incidente a envolver armas de fogo em escolas ou locais próximos de estabelecimentos de ensino nos Estados Unidos e, de súbito, parece ter havido aqui uma mudança de atitude, com a rédea dos protestos a mudar de mãos. Não são já os professores ou as autoridades locais, nem as organizações a tomar a iniciativa nos dias pós-Marjory Stoneman Douglas. Os microfones estão nas mãos de jovens, adolescentes, ainda sem idade para votar, mas que têm uma pergunta muito significativa para colocar aos líderes em Washington: “Sou eu o/a próximo/a?”.“Sinto que é a nossa vez de agir. Somos nós que estamos nessas escolas, somos nós que temos os atiradores a entra-nos pelas salas de aula dentro” (Lane Murdock, 15 anos)
É uma questão que não tem resposta. Os tiroteios nos Estados Unidos são tão frequentes que deixam de ter lugar como acontecimento extraordinário nas notícias, a não ser que o número de vítimas se aproxime ou ultrapasse os dois algarismos.
O episódio de Parkland resultou na segunda maior perda de vidas num tiroteio numa escola pública norte-americana, logo a seguir ao massacre de Sandy Hook. É ainda o mais mortífero de sempre numa escola secundária, superior em números ao massacre de Columbine (Littleton, Colorado), onde morreram 13 pessoas. O elemento invulgar nos dias que se seguiram não é assim a questão que se repete mas o sujeito: a própria comunidade estudantil. Que, mais do que interrogar os políticos do país, lhes aponta o dedo.
Preparados para levar a questão à sede política de Washington, os estudantes mobilizaram-se este domingo em manifestações e caminhadas para reivindicar leis para um maior controlo de armas, desafiando os políticos que - dizem - falharam na protecção que deviam aos alunos.
A estudante Emma Gonzalez é uma dessas vozes contestatárias que ocupou os écrans de televisão nos últimos dias. Ontem, durante uma manifestação em Parkland, deixou uma mensagem para o Congresso: “Esta luta agora é nossa, porque vocês fizeram tanta asneira que têm de ser os miúdos a tratar do assunto. Agora é a nossa tarefa e vocês não podem tirar-nos isso”.
Student Emma Gonzalez’s message to Congress: “This is our fight now, because you messed it up so badly that you left it to the kids. Now it’s our job, and you can’t try to take that back from us.” pic.twitter.com/7PwYCpJUmH
— MSNBC (@MSNBC) 18 de fevereiro de 2018
A onda de contestação da inacção política não parece entretanto ter um fim à vista e, para o próximo sábado, está a ser organizada uma grande marcha em Washington (March for Our Lives – Marcha pelas Nossas Vidas). Uma forma de chamar a atenção para a segurança nas escolas, ao mesmo tempo que vão pedir aos representantes no Congresso para promulgarem nova legislação sobre o controlo de armas.
Estes assuntos serão também a bandeira de uma manifestação agendada para a próxima quarta-feira em Tallahassee, capital do Estado da Florida, onde líderes estudantis deverão reunir-se com um deputado que trabalha no dossier para acabar com a venda de armas de assalto. Como a AR-15 usada por Nikolas Cruz na última quarta-feira.
A par destas acções, no Connecticut, Lane Murdock, estudante de 15 anos que vive a 32 km da localização da escola primária de Sandy Hook, onde 20 crianças de 6 e 7 anos e sete membros do corpo escolar foram mortos em 2012, reuniu 50 mil assinaturas numa petição em que pede aos alunos norte-americanos para no dia 20 de abril abandonarem as salas de aula e protestarem nesse dia do 19.º aniversário do massacre de Columbine.
Trump dá sinal de endurecer controle
Um pouco sem norte nesta questão das armas e da defesa da segunda emenda – que criticou em determinadas circunstâncias, mas aceitando de bom grado o apoio de grupos ligados à NRA na campanha presidencial de 2016 – o Presidente Donald Trump quis esta segunda-feira dar um sinal de que apoia o reforço da verificação de antecedentes daqueles que possuem armas.
A referência ao assunto veio da Casa Branca, com a assessora de imprensa Sarah Huckabee Sanders a sublinhar que estando essas “revisões a ser consideradas, o Presidente é favorável aos esforços para melhorar o sistema federal de verificação de antecedentes”.
Trump terá abordado com o senador republicano John Cornyn um projeto de lei bipartidário de 2017 para procurar melhorar os procedimentos que antecedem a compra de armas.
O Presidente foi entretanto duramente criticado pela insensatez e insensibilidade revelada num tweet após o massacre de quarta-feira. Na ressaca do episódio, Trump apontou baterias ao FBI, acusando o bureau de estar demasiado ocupado a tentar provar o conluio com o Kremlin para seguir a pista que poderia ter evitado o massacre na secundária da Florida.
Very sad that the FBI missed all of the many signals sent out by the Florida school shooter. This is not acceptable. They are spending too much time trying to prove Russian collusion with the Trump campaign - there is no collusion. Get back to the basics and make us all proud!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 18 de fevereiro de 2018
A resposta de um adolescente de 18 anos foi demonstrativa do que vai na cabeça de muitos destes jovens: “O senhor não pode culpar a burocracia por isto quando é você, senhor Presidente, o maior responsável de todos”, declarou David Hogg, de 18 anos.