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Juristas guineenses temem que o país esteja a caminhar para presidencialismo "com característica ditatorial"

por Lusa

Os juristas guineenses Luís Vaz Martins e Marcelino Ntupkpé afirmaram hoje temer que a Guiné-Bissau esteja a caminhar para um regime presidencialista "com característica ditatorial" com as alterações propostas à Constituição.

O Presidente guineense, Umaro Sissoco Embalo, recebeu, na semana passada, uma proposta de projeto de revisão da Constituição que mandou elaborar a uma equipa de juristas guineenses, liderados pelo antigo ministro Carlos Vamain.

Ao comentarem o projeto, que Sissoco Embaló vai entregar aos partidos políticos e demais órgãos de soberania, antes de chegar ao parlamento, onde será analisada em pormenor pelos deputados, Vaz Martins e Ntupkpé discordaram tanto da própria iniciativa do chefe de Estado, como dos articulados que contém.

Professor de direito na Universidade Colinas de Boé e comentador jurídico numa rádio de Bissau, Marcelino Ntukpé disse que a Constituição ainda em vigor "já dava muitos poderes" ao Presidente da República e a que se propõe "dá ainda poderes reforçados" ao chefe de Estado.

"Significa transformar o nosso regime semipresidencialista em presidencialista puro e duro. Se o Presidente terá poderes para presidir ao Conselho de Ministros, significa que tudo o que se decide tem de ser com o consentimento do Presidente, se assim for, então estaremos perante um regime presidencialista com característica ditatorial", afirmou Marcelino Ntukpé.

O jurista desaprova ainda a formulação que se dá à futura Constituição em relação ao poder judicial, em que, diz, o Supremo Tribunal de Justiça "deixa de ter poderes reais", dando lugar ao Tribunal Constitucional, mas que terá juízes nomeados pelo Presidente da República, notou.

"Aí questionamos: Onde estará a independência dos juízes perante quem os nomeia", frisou Marcelino Ntupkpé.

Luís Vaz Martins, advogado e antigo presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, corrobora as análises do colega jurista e disse que está em preparação uma Constituição "à medida" na perspetiva da introdução de um regime presidencialista na Guiné-Bissau.

"Estamos perante uma coisa medonha. Continuando nesta senda estamos a andar numa velocidade que nos pode levar rapidamente para uma crise sem precedentes, ou se as pessoas perderem a resiliência então estaremos a caminhar para uma ditadura", observou Vaz Martins.

O jurista salienta que a Constituição em vigor na Guiné-Bissau "é uma inspiração" da portuguesa onde se diz claramente, reforça, que a matéria da lei magna não é referendável.

O Presidente guineense disse que vai submeter a nova Constituição a referendo para a sua aprovação, mas Luís Vaz Martins afirmou que é "uma outra aberração", porquanto, realça, não existe uma lei do referendo na Guiné-Bissau.

A proposta de projeto de revisão da Constituição prevê várias alterações, incluindo a criação de um Tribunal Constitucional e que o chefe de Estado passe a chefiar o Conselho de Ministros.

Segundo a Constituição da Guiné-Bissau, as propostas de revisão têm de ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados que constituem a Assembleia Nacional Popular, ou seja, 68 dos 102 deputados.

Caso venha a ser aprovada, a revisão constitucional será submetida a referendo.

A Guiné-Bissau vive uma crise política desde as eleições presidenciais.

O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), partido vencedor das legislativas de 2019, não reconhece o atual chefe de Estado do país, Umaro Sissoco Embaló.

Depois de a Comissão Nacional de Eleições ter declarado Umaro Sissoco Embaló vencedor da segunda volta das eleições presidenciais, o candidato dado como derrotado, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, não reconheceu os resultados eleitorais, alegando que houve fraude e meteu um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, que não tomou, até hoje, qualquer decisão.

Umaro Sissoco Embaló assumiu unilateralmente o cargo de Presidente da Guiné-Bissau em fevereiro e acabou por ser reconhecido como vencedor das eleições pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política no país, e restantes parceiros internacionais.

Após ter tomado posse, o chefe de Estado demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, saído das eleições legislativas de 2019 ganhas pelo PAIGC, e nomeou um outro liderado por Nuno Nabiam, líder da Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que assumiu o poder com o apoio das forças armadas do país, que ocuparam as instituições de Estado.

Nuno Nabiam acabou por fazer aprovar o seu programa de Governo no parlamento guineense, com o apoio de cinco deputados do PAIGC, que o partido considera terem sido coagidos.

Em relação à proposta de projeto de revisão constitucional, o PAIGC já acusou Umaro Sissoco Embaló de fazer um "golpe palaciano" para tentar "usurpar" os poderes do parlamento com a revisão Constitucional.

Num comunicado enviado à imprensa, o PAIGC apela a "todas as forças nacionais que defendem a legalidade do Estado de Direito, bem como à sociedade civil, assim como a todos os guineenses para denunciarem mais este "golpe palaciano" e a criarem uma "frente conjunta" para "travar mais uma inconstitucionalidade".

O Presidente guineense criou em maio uma Comissão Técnica para a Revisão Constitucional, coordenada pelo jurista e advogado guineense Carlos Joaquim Vamain, que integra também a antiga presidente do Supremo Tribunal de Justiça Maria do Céu Monteiro.

A comissão entregou quinta-feira a Umaro Sissoco Embaló a proposta de revisão da Constituição, que afirmou que a Constituição que será aplicada no país é a que é proposta pela Comissão Técnica para a Revisão Constitucional.

Os principais parceiros internacionais da Guiné-Bissau têm insistido na necessidade da revisão constitucional para minimizar os conflitos políticos no país.

 

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