Matt Hancock sem "salvação possível". Ex-assessor revela mensagens de Boris Johnson

por Inês Moreira Santos - RTP
Dominic Cummings, ex-assessor de Boris Johnson Toby Melville - Reuters

Ainda nos primeiros tempos da pandemia, em 2020 quando os casos de contágio não paravam de aumentar no Reino Unido, Boris Johnson terá confessado ao seu conselheiro que estava preocupado com o processo de testagem da Covid-19 e criticado o ministro da Saúde, Matt Hancock, por não estarem a ser alcançadas as metas que prometeu. Dominic Cummings revelou, esta quarta-feira, mensagens de WhatsApp que trocou com o primeiro-ministro britânico, nas quais Johnson comenta que Hancock não tem "salvação possível".

No mês passado, durante uma comissão parlamentar de inquérito, Dominic Cummings acusou Matt Hancock de "mentir" muitas vezes. Mas agora quis sustentar as acusações e, como prova, o ex-assessor de Boris Johnson divulgou, no seu Blog e no Twitter, mensagens escritas que revelam as suas trocas de impressões com o primeiro-ministro, principalmente sobre a atuação do ministro da Saúde na gestão da pandemia.

"Uma análise detalhada de tudo o que Hancock disse aos parlamentares demoraria dias. Vou concentrar-me hoje apenas em algumas coisas para sustentar o que eu disse aos parlamentares e mostrar que o N.º10 e Hancock mentiram repetidamente sobre as falhas do ano passado", começou por escrever na sua página, onde publicou também screenshots de supostas conversas com o primeiro-ministro em março de 2020.

A 3 de março, Cummings terá comentado com o primeiro-ministro que os Estados Unidos tinham aumentado o número de testes diários e criticado a abordagem de Matt Hancock.

"Não tem salvação possível" [tradução livre sem os termos ofensivos], terá respondido Boris Johnson.

Três semanas depois, numa outra troca de mensagens escritas, o ex-assessor de Johnson afirmou que membros do Governo estavam a recusar a compra de ventiladores porque o "preço aumentou".

"Acabaram completamente com os ventiladores. Acabei de ouvir funcionários admitirem que temos recusado as ofertas de ventiladores porque 'o preço aumentou'".

E o primeiro-ministro respondeu: "É Hancock. Ele está desesperado".

Além das criticas diretas sobre Matt Hancock, quando o Governo tentava encomendar ventiladores e aumentar os testes à covid-19, Johnson criticou ainda as medidas adotadas para conter a pandemia.

A compra e distribuição de material de proteção individual, por exemplo, foi "um desastre", terá confessado a Cummings. Mas as revelações do ex-assessor deixam implícito que o primeiro-ministro ainda ponderou demitir o ministro da Saúde.

"Não consigo pensar em nenhuma solução sem ser tirarmos o Hancock e passarmos isto para o Gove", escreveu ainda o primeiro-ministro, referindo-se a Michael Gove, ministro da Presidência.
Governo quer "apagar memória" das falhas da gestão da pandemia
Entre as várias acusações de Dominic Cummings, esta quarta-feira, destaca-se que alegadamente não havia nenhuma estratégia planeada nem se considerava impor qualquer confinamenteo até 14 de março, visto que o Governo assumia que se podia alcançar a imunidade de grupo com os contágios. O Reino Unido optou mesmo, durante um período de cerca de uma semana, por deixar o vírus circular, na esperança de desenvolver essa imunidade comunitária.

Mas, de acordo com Cummings, Downing Street e Hancok "estão a tentar reescrever a história" e "apagar a memória" do inicío da pandemia no Reino Unido e do "desastre inicial do primeiro trimestre de 2020".

"A Covid foi a maior crise que Westminster enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial", escreveu também o antigo assessor de Boris Johnson.

Hancock criou, continua Cummings, uma "nova versão da realidade" de que era ele o responsável por impulsionar o aumento da capacidade de testes e que o Secretário da Saúde é que tinha mantido a estratégia inicia de alcançar a imunidade de grupo na primeira onda da pandemia.

"Os testes, assim como as vacinas, foram retirados do seu controlo em maio por causa da sua incompetência e desonestidade", escreveu Cummings no Substack.

"Se o N.º10 está preparado para mentir tão profunda e amplamente sobre tais questões de vida e morte no ano passado, não se pode confiar agora, sobre a Covid ou sobre qualquer outra questão crucial de guerra e paz", acrescentou.

As criticas na gestão da pandemia, por parte de Cummings estendem-se ao primeiro-ministro. Esta quarta-feira, o ex-assessor publicou um exemplo de como Johnson geria as reuniões do Governo sobre a pandemia.

"Quando as coisas começavam a ficar um pouco mais embaraçosas, o PM dizia ‘bom, vamos lá para offline’, gritava 'a vitória é o caminho’ e saía da sala com os dois polegares erguidos antes de alguém poder discordar do que quer que fosse".

Mas, quando Boris Johnson testou positivo e foi hospitalizado devido à Covid-19, a produtividade das reuniões melhorou estando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, a substituir o primeiro-ministro "porque, ao contrário do primeiro-ministro, Raab pode presidir a reuniões de maneira adequada em vez de contar histórias e piadas desconexas" e permitir que os funcionários investiguem "para descobrir a verdade".


Jeremy Hunt, co-presidente da comissão parlamentar de inquérito, já reagiu às revelações de Cummings, mostrando-se cético quanto à possibilidade de os documentos divulgados provarem que Hancock mentiu.

"Mostram a frustração total do PM, mas não provam que alguém 'mentiu'", escreveu no Twitter.

Downing Street recusou-se a comentar as acusações de Dominic Cummings, não negando, contudo, a veracidade das imagens e das afirmações.

"Não pretendo entrar em detalhes sobre o que foi publicado", disse o porta-voz de Boris Johnson. Questionado sobre se as imagens das mensagens do PM eram verdadeiras, disse: "O nosso foco não é examinar estas imagens, mas cumprir as prioridades com a população".

Dominic Cummings era um dos principais assessores de Boris Johnson mas deixou o cargo no final do ano passado e agora revela, para além das falhas na gestão da pandemia, que o primeiro-ministro pretende demitir-se a meio do próximo mandato.

"Ao contrário de outros PM, este tem um plano claro para sair no máximo alguns anos após a próxima eleição, ele quer ganhar dinheiro e divertir-se", revelou, confessando que não acredita que a a investigação da comissão de inquérito vá conseguir obter respostas.
pub