Moçambique. Deslocados sonham com regresso a casa

por Lusa

Deslocados de Palma, no norte de Moçambique, pensam em regressar a casa, mas queixam-se da falta de meios para viajar e voltar a mudar de vida, meio ano depois de fugirem da guerra que fustiga Cabo Delgado.

Inhambane Inhambane, pescador de 29 anos em Cabo Delgado, perdeu os seus dois barcos quando rebeldes armados atacaram Palma, a vila do gás, a 24 de março.

Fugiu e conseguiu lugar numa embarcação à vela com outras 30 pessoas até à capital provincial, Pemba, um martírio de duas semanas no mar devido ao mau tempo a que nem todos resistiram.

Dois dos ocupantes morreram ao desembarcar na praia de Paquitequete, na cidade livre de ataques, recorda.

Foi acolhido numa casa de conhecidos, mas as condições são duras, a dormir ao relento, sem trabalho e sem certeza de quando terá a próxima refeição.

As autoridades têm anunciado uma melhoria das condições de segurança em Palma, arredores e noutros pontos da província graças à ofensiva militar iniciada em julho e Inhambane Inhambane conta que quer voltar para Palma.

Mas diz que só o pode fazer se receber uma verba que a petrolífera Total lhe prometeu.

Segundo explica, o dinheiro é fruto de um acordo para ele e outros residentes desocuparem uma zona para o empreendimento de exploração de gás natural ali em construção - obra que é o maior investimento privado em África, no valor de 20 mil milhões de euros, também suspenso com o ataque de março.

"Se o valor fosse pago, podia ajudar-me, porque enfrento problemas financeiros desde que cheguei [a Pemba], visto que perdi tudo" disse.

Segundo conta, mantém contactos com a Total através de uma "linha verde" via telefone para obter o valor combinado, que classifica como "única esperança" para dar um novo rumo à vida.

Quando os insurgentes irromperam pela vila de Palma, Chauale Alide, 32 anos, conseguiu lugar no mesmo barco à vela que salvou Inhambane Inhambane.

Há meio ano que dorme ao relento numa casa de amigos, sem pequeno-almoço certo, nem biscates. 

Chauale Alide tinha um negócio que lhe garantia rendimento em Palma: os insurgentes queimaram-lhe uma pensão de três quartos onde alojava sobretudo viajantes que iam e vinham da Tanzânia - 600 meticais (oito euros) era quanto cada quarto rendia por noite, muito mais do que aquilo a que pode almejar a maioria dos moçambicanos. 

A insurgência armada atirou Chauale para essa maioria.

"Tudo está difícil em Pemba", descreve, mas também não quer regressar a Palma sem dinheiro para o recomeço da sua vida.

"Vou para lá fazer o quê", questiona Chauale, face aos apelos das autoridades para a população regressar.

"Em Pemba perdi muito dinheiro" a tentar fazer pequeno comércio informal, pelas ruas, mas sem sucesso. 

"O problema é que, cá, os produtos não saem", ou seja, não consegue vender aquilo que compra por atacado porque "a maioria é negociante, é diferente do que se passava em Palma".

Mwamba Waziri, 41 anos, fugiu de Palma após o mesmo ataque de março e andou uma semana nas matas até chegar a Nangade.

Ali conseguiu boleia até ao distrito de Mueda, ainda no norte, local onde permaneceu por oito dias enquanto fazia biscates até conseguir 1.700 meticais (22 euros). 

O valor serviu para viajar por terra até Pemba, passando por Montepuez, por uma longa estrada de terra batida, mas considerada segura para quem quer chegar à capital provincial. 

Em Palma tinha uma banca onde vendia roupa usada, tendo acumulado um prejuízo de 19.700 meticais (261 euros) que em Pemba não conseguiu recuperar.

Sem dinheiro ou outros meios, Mwamba Waziri pede ajuda.

"As pessoas devem apoiar-nos, devem criar movimentos de angariação de fundos para nós, deslocados, que tudo perdemos", referiu em quimuane, língua local.

A sua lista de desejos é simples: ter dinheiro para regressar a casa, que haja paz e que haja apoio do Governo, nomeadamente, a certificar-se que "todos estão de lado da população", porque houve pessoas maltratadas por pessoas com fardas militares, concluiu.

Cabo Delgado é uma província rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.

Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde agosto de 2020.

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