Ocidente exige explicações a Israel pela classificação de seis ONG palestinianas como "terroristas"

por RTP
O grupo palestiniano de defesa dos Direitos Humanos Addammer foi colocado por Israel na lista negra das organizações terroristas a 22 de outubro de 2021 Reuters

A decisão israelita anunciada na semana passada pode vir a ser fatal para as seis ONG, acusadas de ligação à Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), se Jerusalém apresentar argumentos convincentes que a justifiquem. Até lá, está a ser vista como o maior ato de repressão do ativismo político palestiniano em décadas de perseguição. As seis organizações em causa apelaram ao apoio da comunidade internacional e exigiram a Israel que revogue a decisão.

A colocação na "lista negra" abre potencialmente caminho às forças de segurança de Israel para invadir e efetuar buscas nos escritórios e sedes das organizações, apreender bens, deter funcionários e criminalizar qualquer tipo de apoio expresso a seu favor.

Estados Unidos, Nações Unidas e União Europeia pediram explicações, com a Administração do Presidente Joe Biden a afirmar sexta-feira não ter sido notificada antes do anúncio, versão contestada por responsáveis israelitas. "Estamos a investigar as acusações e em contacto com os parceiros israelitas para pedir esclarecimentos", indicou fonte da representação europeia em Israel.

"A UE continuará a respeitar o direito internacional e a apoiar as organizações da sociedade civil que têm um papel a desempenhar na promoção do direito internacional, dos direitos humanos e dos valores democráticos", garantiram ainda fontes europeias à agência noticiosa espanhola EFE.

Em comunicado esta terça-feira, a Alta-Comissária para os Direitos Humanos da ONU criticou a “decisão arbitrária" de Israel e frisou que a legislação antiterrorismo não deve ser aplicada a direitos humanos legítimos e a atividades de ajuda humanitária.

Ao serem designadas terroristas, as ONG, algumas das quais parceiras das Nações Unidas, enfrentam "terríveis consequências” e "o trabalho crucial" que realizam "para milhares de palestinianos, corre o risco de ser interrompido ou severamente restringido", alertou Michelle Bachelet.

A UE financia igualmente algumas das atividades destas ONG e promete manter os apoios para já, conforme garantiu segunda-feira o representante europeu Sven Kühn von Burgsdorff, numa reunião com membros das seis e com outros diplomatas de vários países europeus.

"Acusações anteriores sobre o uso indevido de fundos da UE por parte de organizações da sociedade civil não foram fundamentadas", referiu o gabinete de Von Burgsdorff na rede social Twitter.
EUA franzem o sobrolho
Um alto responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, Joushua Zarka, anunciou entretanto esta terça-feira o envio de um emissário a Washington nos próximos dias, para fornecer “todos os detalhes e apresentar todas as informações” que levaram à decisão.O incidente pode ser o mais grave sobressalto nas relações entre a Administração Biden e o executivo do primeiro-ministro Naftali Bennet, que assumiu em junho as rédeas do Governo de Israel ao fim de 12 anos de poder de Benjamin Netanyahu.

Zarka frisou que ele próprio informou responsáveis norte-americanos da intenção israelita de ilegalizar as ONG na semana passada e admitiu que Washington queria provavelmente mais dados sobre a questão.

O mesmo argumento foi ecoado pelo porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, evadindo perguntas sobre a polémica da notificação prévia.

Analistas fazem notar que nos últimos quatro meses Bennet tomou diversas decisões contra interesses palestinianos e que esta mais recente poderá fazer transbordar o copo da paciência norte-americana já acossada por pressões no Partido Democrata para retirar financiamentos a Israel, sobretudo na área da Defesa.
Acusações de parte a parte
A ilegalização das seis ONG foi denunciada igualmente pela Autoridade Palestiniana, cujo Ministério dos Negócios Estrangeiros a classificou de “escandalosa” e a última medida "de uma campanha sistemática e implacável contra as organizações da sociedade civil palestiniana e os principais defensores dos direitos humanos".

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch juntaram as vozes para denunciar a decisão “excessiva", "injusta" e "preocupante" que "ameaça" o trabalho de algumas das mais "importantes" ONG palestinianas. As seis ONG são as organizações de defesa dos direitos humanos Al-Haq e Addammer, a União de Comités de Mulheres Palestinianas, o Centro de Investigação e Desenvolvimento Bisan, a União de Comités de Trabalho Agrícola e a Defesa Internacional da Infância -- Palestina. O Ministério da Defesa israelita acusa-as de ligações à FPLP.

Para Israel, colocar estas ONG na lista de organizações terroristas é um acto de defesa.

"Estas organizações fazem parte de uma rede que, sob a cobertura de atividades internacionais, depende da FPLP para apoiar os seus objetivos e promover as suas atividades", refere um comunicado do gabinete do ministro da Defesa, Benny Gantz, salientando que "a direção da FPLP apela à destruição de Israel através de atos terroristas".

A FPLP, um grupo armado de linha marxista, é considerada há anos uma organização terrorista, tanto pelo Estado hebreu como pela União Europeia. O movimento tem um braço político e várias personalidades a ele ligadas foram detidas por Israel.

No sábado, através de um comunicado conjunto assinado por uma centena de organizações da sociedade civil palestiniana, as seis visadas exigiram às autoridades israelitas que as retirem da lista negra.

O comunicado denunciou uma "tentativa nefasta e sem precedentes" de Israel de as silenciar e de as criminalizar, alertando-se também para o "risco de perigo iminente" para os respetivos trabalhadores.

As ONG alertaram para a "sistemática campanha" de Israel a quem acusam de, durante anos, bloquear o trabalho de documentação sobre direitos humanos e de cooperação das organizações com congéneres internacionais e com as Nações Unidas.

Com base nisso, pediram que a comunidade internacional exija também a revogação da designação desses grupos como terroristas, exorte as autoridades israelitas a parar as políticas ilegais de intimidação e assédio contra a sociedade civil palestiniana, condene o uso ilegal da lei israelita nos territórios palestinos ocupados e expresse publicamente o não reconhecimento internacional desta medida, que descreveram como "um ato de `apartheid`" (segregação racial).

Com Lusa
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