Olhar otimista da Human Rights Watch apela à resistência contra o populismo

por Christopher Marques - RTP
Fayaz Aziz - Reuters

Um ano depois da tomada de posse de Donald Trump, é um olhar otimista aquele que a Human Rights Watch apresenta para 2018. No relatório anual, a organização não-governamental elogia a “contraofensiva política e cidadã” contra os populismos e exemplifica com a vitória de Emmanuel Macron nas eleições francesas. Por outro lado, as crises no Iémen e na Birmânia merecem o reparo da organização.

O olhar otimista com que a Human Rights Watch dá início a 2018 apresenta-se no logo no título do texto que introduz o relatório. Depois de há um ano, a organização ter alertado para “A perigosa ascensão do populismo”, a Human Rights Watch começa 2018 a olhar para “A resistência ao desafio do populismo”.

“Há um sentimento de que 2017 representa uma luta a que assistimos em vários países. Uma combinação de justiça independente, imprensa forte e livre e ativismo da sociedade civil ajudaram realmente a dar algum apoio aos valores dos direitos humanos e a lutar contra tantas tendências negativas”, explica Ian Levine, diretor-executivo adjunto da HRW ouvido pela Antena 1.

A contribuir para este sentimento encontra-se, por exemplo, a vitória de Emmanuel Macron sobre Marine Le Pen nas Presidenciais francesas do passado mês de maio e a resistência popular e das instituições europeias aos governos populistas na Europa central, numa referência à situação política na Polónia e na Hungria.

A HRW assinala ainda o movimento de luta contra o assédio sexual nos Estados Unidos e a luta do povo venezuelano contra o governo de Nicolás Maduro.

O otimismo no relatório da Human Rights Watch reside precisamente nessa diferença que foi acompanhando o mundo em 2017. Em 2016, assistiu-se ao crescimento do populismo que culminou na vitória do Brexit e na eleição de Donald Trump. Em 2017, começou-se com a tomada de posse do magnata populista norte-americano e foi-se ganhando esperança ao longo dos meses.

“A onda de populistas autoritários parece menos inevitável do que há um ano. Na altura, parecia não haver forma de impedir uma série de políticos que diziam falar em nome do ‘povo’, mas que angariavam seguidores por meio da demonização de minorias impopulares, que atacavam os princípios dos direitos humanos e alimentavam a desconfiança das instituições democráticas”, escreve o diretor executivo Kenneth Roth no relatório.

Para a Human Rights Watch, a melhoria no último ano prova que é possível combater o populismo. "Cada um de nós tem um papel a desempenhar. O ano passado mostra que os direitos podem ser protegidos de ataques populistas", apela o diretor executivo.
Muito falta fazer

Apesar do tom mais otimista, muito permanece por fazer. “Onde a resistência se fez forte, os avanços populistas têm sido limitados. Mas onde a mensagem de ódio e exclusão encontra apoio, os populistas prosperam”, constata Roth.

O relatório faz por exemplo referência à aproximação de partidos de centro-direita à extrema-direita, nomeadamente na Áustria e na Holanda. “Competem pela adoção de posições xenófobas e contra a imigração e o Islão", lamenta a HRW.

O relatório acusa os Estados Unidos e o Reino Unido de estarem, devido à eleição de Donald Trump e ao Brexit, "frequentemente ausentes" da defesa dos direitos humanos. No recado a Paris e Berlim, acusa-os de "nem sempre estarem dispostos a compensar esse vácuo".

“Democracias como a Austrália, o Brasil, a Indonésia, o Japão e a África do Sul têm sido, na melhor das hipóteses, raramente vistas como defensores ativos dos direitos humanos”, escreve ainda a HRW.

Perante a inação, é o outro lado quem tenta aproveitar. “Os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin têm agressivamente promovido uma agenda contra direitos nos fóruns multinacionais e forjado alianças mais fortes com governos repressivo”, escreve Kenneth Roth numa crítica à China e à Rússia.

O relatório, que analisa os acontecimentos de 2017, aponta ainda o dedo às derivas autoritária na Turquia de Recep Erdogan e no Egito de Abdel Fattah al-Sisi e às crises humanitárias que continuam a assolar diferentes regiões do globo.

“Grandes crises humanitárias no Sudão do Sul, Iémen e Síria e em muitos outros sítios. Posso continuar por muito tempo com tudo o que está errado no que diz respeito aos direitos humanos”, explica Ian Levine ao microfone da Antena 1. No caso da Síria, a organização norte-americana critica o impasse nas Nações Unidas, motivados pelos “vetos reiterados e ameaças de veto” de Moscovo e Pequim.

A Human Rights Watch assinala ainda que no Iémen “a coligação liderada pela Arábia Saudita devastou civis iemenitas, conduziu ataques aéreos a casas, mercados e hospitais e impediu o urgente trabalho da ajuda humanitária”. “Em resultado disso, sete milhões de pessoas enfrentavam fome e o país registava quase um milhão de casos suspeitos de cólera em 2017”, recorda a HRW.

O relatório não esquece ainda a situação da minoria rohingya na Birmânia. “Uma campanha de massacres conduzida pelo exército, os casos generalizados de violações e incêndios massivos em pelo menos 340 aldeias provocaram a fuga por sobrevivência de mais de 640 mil refugiados Rohingya”, assinala o relatório.

Se a atitude das autoridades birmanesas são alvo de crítica, a inação da comunidade internacional também não escapa ao radar da organização não-governamental. “Estes são os mesmos crimes que a comunidade internacional prometeu nunca mais tolerar” mas as nações “foram relutantes em agir” devido, em parte, à “concorrência geopolítica com a China pelo apoio do governo brimanês”.
Mundo lusófono

O relatório da Human Rights Watch não faz qualquer referência à situação portuguesa mas não esquece o mundo lusófono. Em ano de mudança no poder angolano, a associação considera que ainda é cedo para ver o que estas significarão para o respeito dos direitos humanos no país.

A organização ressalva que apesar da nova esperança, Angola continua a ser palco de abusos e uso excessivo da força por parte das diferentes unidades de segurança, intimidações e detenções arbitrárias de participantes em manifestações pacíficas.

No caso de Moçambique, a organização recorda que assassinatos e violações aos direitos humanos no país continuam impunes, mesmo depois do cessar fogo assinado em dezembro de 2016.

"Os que aplicam a lei em Moçambique continuam com a prática de não investigar um vasto leque de crimes graves", frisa a HRW, lembrando também os casos de pelo menos dez personalidades, "incluindo destacados dirigentes da oposição, procuradores do Estado e proeminente académicos" que foram mortos ou feridos em ataques "aparentemente motivados politicamente" em 2016, que continuam sem investigação.

No relatório, a organização denuncia também a continuação dos ataques a crianças e adultos que padecem de albinismo, com mortes, raptos e espancamentos, bem como atrasos na aplicação da lei que descriminaliza a orientação sexual e a equidade do género.

Na mensagem ao Brasil, a Human Rights Watch refere que o país mantém os "crónicos problemas" na área judicial, nomeadamente ao nível da sobrelotação das prisões e dos motins com elevado número de vítimas. A HRW constata que a violência está disseminada um pouco por todo o país, frequentemente perpetrada por gangues organizados, e que esta é também alimentada pelos frequentes abusos policiais.
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