As Nações Unidas pediram ao governo civil de Myanmar para afastar as Forças Armadas "da vida política" do país pela implicação no "genocídio" da minoria rohingya, de origem muçulmana.
A comissão de investigação da ONU sobre as violações dos direitos humanos em Myanmar (antiga Birmânia) publicou hoje o relatório sobre as atrocidades e abusos cometidos contra a os rohingya durante as últimas décadas e apelou ao Conselho de Segurança para criar condições para o julgamento dos responsáveis.
O documento, de 444 páginas, detalha os abusos cometidos contra a comunidade de origem muçulmana - que não são reconhecidos como cidadãos nacionais desde 2011, sendo que a maioria dos casos estão concentrados nas regiões de Kachin, Shan e, sobretudo, em Rakain, no norte do país.
A investigação tem como base 800 entrevistas a sobreviventes dos massacres, mas inclui também fotografias e imagens captadas por satélite que demonstram a campanha de "terra queimada" levada a cabo pelas autoridades e os militares de Rangum.
"As demolições e a política de destruição em Rakain levantam sérias preocupações sobre a tentativa de eliminação de provas sobre os crimes considerados graves pela legislação internacional" como o genocídio, assinala o relatório.
O texto analisa a repressão e a supressão de direitos humanos aplicadas "como políticas de Estado contra os rohingya durante o último meio século".
"Os diversos aspetos da opressão têm como base as políticas de Estado enquadradas num contexto de práticas discriminatórias. A missão conclui que esta sistemática, severa e institucionalizada repressão constitui perseguição", sublinha a comissão das Nações Unidas.
"O sentimento anti-rohingya e anti-muçulmano, incluindo o discurso de ódio é generalizado" também nos "círculos apontados como progressistas" do país, assinala o texto.
O relatório concentra-se na vaga de violência ao longo dos anos mas sobretudo desde 25 de agosto de 2017 na região de Rakain e que provocou a fuga de mais de 800 mil pessoas para o Bangladesh onde passaram a viver como refugiados.
A primeira versão do relatório foi apresentada no passado dia 27 de agosto sendo que a conclusão mais relevante foi a "confirmação de genocídio intencional" por parte das Forças Armadas do país na "operação militar" contra o povo rohingya.
A missão das Nações Unidas considera que os "crimes cometidos em Rakain e a forma como foram executados são semelhantes em gravidade constituindo genocídio intencional".
Em concreto, a missão considera que "o balanço mais conservador" aponta para o assassinato de, pelo menos, dez mil pessoas durante as operações de limpeza étnica ocorridas em 2017.
"Os assassinatos, incluindo os assassinatos de mulheres e crianças; a escala das violações e os atos de violência sexual não se podem justificar", denuncia o texto dos investigadores.
O documento enumera também centenas de violações em que responsabiliza diretamente o Exército pela maior parte das atrocidades cometidas e identifica os oficiais que devem ser investigados e julgados por um tribunal internacional porque "cometeram crimes que pretenderam eliminar uma comunidade inteira".
Os especialistas identificam as patentes militares que são consideradas responsáveis por crimes cometidos durante a campanha militar, nomeadamente o general Min Aung Hlaing.
Os autores do documento publicam uma longa lista com os nomes dos alegados responsáveis pelos crimes cometidos contra o povo rohingya.
A líder birmanesa (chefe do governo em funções) e Prémio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi é igualmente responsabilizada porque não utilizou o cargo e autoridade moral para travar os acontecimentos ocorridos na região de Rakain, no ano passado.
Para os investigadores que elaboraram o relatório, o Conselho de Segurança deve recorrer ao Tribunal Penal Internacional ou criar um tribunal penal "ad hoc" para julgar os crimes que foram cometidos contra o povo rohingya.
Entretanto, os investigadores sugerem a imposição de sanções individuais contra os supostos responsáveis e a imposição de um embargo de armas ao país.