Orçamento do Estado. Aprovação em risco. Em que ponto estamos?

por Inês Moreira Santos - RTP
Manuel de Almeida - Lusa

O Governo entregou na noite da passada segunda-feira, na Assembleia da República, a proposta do Orçamento do Estado para 2022 e o primeiro processo de debate parlamentar decorre entre 22 e 27 de outubro, dia em que será feita a votação, na generalidade. O Presidente da República prepara-se para ouvir, na sexta-feira, os partidos sobre a proposta do OE2022, estando o documento a receber críticas da esquerda à direita. O que dizem, então, os partidos?

De forma mais resumida, a proposta de Orçamento para o próximo ano traz um conjunto de alterações fiscais em IRS, com a criação de dois novos escalões de imposto ou o englobamento obrigatório das mais-valias mobiliárias especulativas. Quanto às empresas, a medida que mais se destaca é o Incentivo Fiscal à Recuperação, para potenciar o investimento no primeiro semestre do ano. Já os pensionistas com pensões mais baixas podem contar com um aumento de dez euros e na Função Pública os salários sobem 0,9 por cento. Mas da esquerda à direita, este OE2022 tem recebido críticas de todos os partidos e arrisca não passar.

Na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa desenhou alguns cenários em caso de chumbo do OE2022, incluindo a realização de eleições antecipadas, para perguntar se outro executivo faria um Orçamento do Estado assim "tão diferente deste" num prazo provável de seis meses.

"Para mim é natural que o Orçamento passe", afirmou aos jornalistas. "Um novo orçamento em abril significaria seis meses de paragem", lembrou, "e paragem em muitos fundos europeus".

Embora o Presidente considere que "as pessoas deviam pensar duas vezes nas consequências dos passos que dão", referindo-se ao facto de tanto PCP como BE terem acenado com o voto contra a proposta do Governo, afasta o cenário de crise política.

"Porque o bom senso mostra que os custos são muito elevados, tenho para mim que o natural é que, com mais entendimento, com menos entendimento, com mais paciência, com menos paciência, acaba por passar na Assembleia da República o Orçamento do Estado", concluiu Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas à saída das novas instalações da associação Ajuda de Berço.
Rui Rio, por exemplo, já afirmou que o OE2022 não conta com voto do PSD, responsabilizando o PS, o PCP e o BE por uma eventual crise política.

Em declarações aos jornalistas no parlamento, na quarta-feira, o presidente do PSD não quis revelar ainda o sentido de voto do partido no Orçamento do Estado, mas salientou que "um documento todo construído para agradar à esquerda é muito difícil agradar ao centro".

"Eu entendo, tal como o Presidente da República tem dito, a última coisa que é aconselhável é uma crise política. Se fosse Presidente ou primeiro-ministro, tudo faria para evitar uma crise política, mas se fosse líder do BE e do PCP não me considerava fora da crise política"
, afirmou.

Embora não esteja convencido que vá haver uma crise política, também não tem a certeza que este Orçamento passe, considerando que "corre riscos maiores do que antes das autárquicas". No entanto, esta preocupação com uma possível crise política não o leva a viabilizar o Orçamento do Estado.

"O voto do PSD aqui não conta, porque o senhor primeiro-ministro disse que nem que o PSD votasse a favor não adiantava de nada em relação a uma crise política. Estamos completamente livres para podermos votar o Orçamento em consciência, apenas pelo seu conteúdo. Essa estabilidade tem de ser garantida pelo PS, BE e PCP", defendeu.
BE considera proposta de OE2022 "enorme desilusão"

Bloco de Esquerda e PCP ameaçam votar contra o orçamento. PAN e Verdes também fazem exigências. Os vários partidos querem acabar com penalizações nas reformas, exclusividades na Saúde e mais medidas de combate à pobreza.
Para Catarina Martins, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 é "um balde de água fria" e, "neste momento", o Bloco de Esquerda não pode viabilizar um documento em que não reconhece "propostas fundamentais".

"Um Orçamento do Estado que não responde ao país, perde todo o país. Nós sabemos disso no Bloco de Esquerda e trabalhamos para um Orçamento do Estado que responda às necessidades do país", considerou, depois de ter sido questionada sobre uma eventual crise política.

A líder bloquista garantiu que o partido procurará, "todos os dias, até ao último dia", perceber se "é possível haver uma negociação que avance" mas avisou: "Neste momento, confesso, o Orçamento do Estado que foi entregue é, desse ponto de vista, um autêntico balde de água fria e não responde a nenhuma das áreas que o Bloco de Esquerda determinou como fundamentais e que o país compreende como fundamentais".

Aa coordenadora nacional do BE declarou aos jornalistas que "o Bloco de Esquerda não vai viabilizar um Orçamento do Estado em que não reconhece propostas fundamentais" nas áreas da saúde, pensões e nas questões laborais.

"Este Orçamento de Estado não mexe em nada na saúde, e, portanto, promete o que não pode cumprir, porque, não alterando as regras, os concursos [para a contratação de médicos para o Serviço Nacional de Saúde(SNS)] vão continuar a ficar vazios", disse Catarina Martins. "No que diz respeito às pensões, tenta dar uma migalha às pensões mais baixas, mas não faz a justiça absoluta de retirar o corte do fator de sustentabilidade para quem trabalhou toda uma vida. E isso sim, seria fazer justiça a quem trabalhou, quer uma pensão digna e merece uma pensão digna".

Catarina Martins referiu ainda um outro problema que urge resolver, e que passa pela criação de carreiras médicas e de enfermagem atrativas no SNS, para que médicos e enfermeiros não deixem os concursos vazios e não continuem a optar pelo setor privado, obrigando os hospitais públicos a recorrerem a médicos prestadores de serviços.

"Alguém compreende que continuemos a gastar 150 milhões de euros em empresas de prestadores de serviços para termos médicos a falsos recibos verdes nas urgências, em vez de se alterar as regras e termos a contratação de médicos e equipas a funcionar todos os dias no Serviço Nacional de Saúde", questionou Catarina Martins.

"É sobre estas regras que podem trazer saúde ao Serviço Nacional de Saúde e à economia portuguesa que o Bloco de Esquerda se bate", acrescentou Catarina Martins, reiterando a ideia de que o Orçamento do Estado apresentado pelo Governo do PS foi uma "enorme desilusão".

Já antes, a deputada Mariana Mortágua afirmara que o partido votará contra a proposta de Orçamento de Estado caso o Governo não fizesse alterações no documento.

"Definimos as nossas prioridades desde o início e as medidas que compunham essas prioridades e deixamos claro que a viabilização do orçamento depende de se essas prioridades e essas medidas estão ou não integradas no Orçamento de Estado. Neste momento, elas não estão", disse a deputada do BE aos jornalistas. "Com esta proposta, e sem as medidas que o BE considera prioritárias, não vemos razão para alterar o sentido de voto do último Orçamento, que foi o voto contra".

Referiu, no entanto, que esta decisão depende sempre de "uma análise mais cuidada e é tomada pela direção do BE".

"Se o PS e o Governo procuram um voto do BE para viabilização do OE, "então têm de responder de alguma forma às prioridades e às medidas que colocamos em cima da mesa", referiu, acrescentando que "a decisão do voto da generalidade será baseada nas propostas que, entretanto, forem negociadas com o PS".
PCP contra Orçamento "tal como está"

À semelhança do Bloco de Esquerda, também o PCP avisou na terça-feira que "a proposta de Orçamento que está apresentada, conta com a nossa oposição, com o voto contra do PCP".

O deputado João Oliveira apresentou a posição do PCP, no Parlamento, mas deixou uma porta aberta ainda a um entendimento: "Até à sua votação na generalidade ainda é tempo de encontrar soluções. É tempo ainda de verificar se o PS e o Governo recusam em definitivo os compromissos que permitam sinalizar o caminho de resposta que o país e a vida dos trabalhadores e do povo reclamam e as soluções que no orçamento e além dele devem ser concretizadas".

"Na situação atual, considerando a resistência do Governo até este momento em assumir compromisso em matérias importantes além do Orçamento e também no conteúdo da proposta de Orçamento que está apresentada, esta conta hoje com a nossa oposição, com o voto conta do PCP", disse o líder da bancada comunista.

João Oliveira advertiu que Orçamento do Estado para o próximo ano "está longe" de fazer parte do "rumo que o país precisa", mas até à votação da proposta na generalidade, em 27 de outubro, ainda "é tempo de encontrar soluções".

Para o PCP, a proposta de OE2022 "devia estar inserida nesse sentido geral da resposta aos problemas" do país, mas, "não só o Orçamento não se insere nele, como o Governo não dá sinais de querer assumir esse caminho". Por isso, "é tempo ainda de verificar se o PS e o Governo recusam em definitivo os compromissos que permitam sinalizar o caminho da resposta que o país" e os portugueses necessitam.

O deputado comunista frisou que o partido rejeita "todas as pressões" subjacentes à viabilização do Orçamento do Estado para 2022, "não alimentando nem se condicionando por falsas dramatizações". No documento apresentado pelo ministro das Finanças, esclareceu, está presente uma "perspetiva política" que não se baseia no aumento dos salários "como uma emergência nacional", que "não toma partido pela estabilidade do direito à habitação, que não deixa sinais de recuperação ou defesa sólida de setores como os correios, a energia, transportes ou as telecomunicações".
"O CDS votou sempre contra os OE do PS e da geringonça"
Em conferência de imprensa no Parlamento, a deputada do CDS-PP Cecília Meireles afirmou que o partido deverá votar contra a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, justificando não ver razão para alterar a sua posição.

"O CDS votou sempre contra os orçamentos do estado do PS e da geringonça, e este é um continuar desse caminho", afirmou, indicando não ver "razão para alterar o sentido de voto" desta vez.

A deputada do CDS-PP ressalvou que "há uma leitura do documento que tem de ser feita antes de se anunciar cabalmente sentido de voto" mas disse que não prevê "surpresas nessa matéria".
PS admite "margem de negociação", não pode ser só Governo a ceder
O PS afirmou que o Orçamento do Estado para 2022 não chegou à Assembleia da República "com porta fechada" e "há margem de negociação", mas avisou que não pode ser só o Governo e os socialistas a cederem.

"Não pode ser só responsabilidade do PS e do Governo, tem de ser também da parte dos habituais parceiros parlamentares, porque as negociações nascem de convergências, temos de valorizar os pontos que nos aproximam", afirmou, em declarações aos jornalistas no parlamento, o vice-presidente da bancada do PS João Paulo Correia.

Confrontado com a posição muito crítica do BE em relação ao documento, que minutos antes admitiu que sem alterações poderá repetir o voto contra já na generalidade, João Paulo Correia contrapôs que todos os temas que o Bloco tem colocado em cima da mesa "têm tido avanços", como a agenda para o trabalho digno ou a "dedicação plena" dos profissionais de saúde ao SNS.

"Este orçamento nem pode ser o programa eleitoral de um habitual parceiro parlamentar, e também não é 100% o programa eleitoral do PS, é o orçamento do programa eleitoral do PS com as devidas convergências com os parceiros parlamentares", disse, frisando que, em anos anteriores, "houve sempre margem de negociação entre a fase da generalidade e a especialidade".

Os socialistas mantêm-se, assim, otimistas e confiantes que, até ao dia da votação na generalidade, haverá "disponibilidade para mostrar esse espírito de convergência e esta abertura que o PS está a demonstrar" por parte dos habituais parceiros parlamentares.
Sem entendimento todos saem a perder

Na quarta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares advertiu que, se não houver acordo à esquerda para a viabilização do Orçamento, "todos" saem a perder, defendendo que as negociações devem prolongar-se até à votação final global.

Numa entrevista à Antena 1, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares considerou que a proposta do Governo de Orçamento já contém matérias que fazem parte dos programas eleitorais do Bloco de Esquerda e do PCP e procurou salientar uma ideia de total disponibilidade do Governo para negociar até ao momento em que o diploma for submetido a votação final global. Mas Duarte Cordeiro deixou também avisos, depois de confrontado com um cenário de não entendimento à esquerda para a viabilização do Orçamento.

"Com toda a convicção, posso dizer que, se nós não nos entendermos, vamos prejudicar todos, e as pessoas não vão compreender", declarou.

Antes, sobre este mesmo tema, Duarte Cordeiro já tinha deixado a seguinte mensagem: "Se não houver entendimento, todos saímos a perder".

"Estamos dependentes uns dos outros. Estamos disponíveis para prosseguir estas negociações para que não cheguemos a uma situação em que todos nos vamos arrepender, criando espaço para que todas estas políticas recuem", completou.

O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares considerou ainda que a atual proposta orçamental do Governo está, nos seus objetivos gerais, "em coincidência com objetivos que têm sido verbalizados" pelo Bloco de Esquerda e PCP nos respetivos programas eleitorais.

"A nossa expectativa – e a nossa total disponibilidade – é continuar a negociar, procurando aproximações. Em muitas das conversas que temos tido, já sinalizámos aproximações e avanços para além daquilo que está inscrito na proposta de Orçamento para votação na generalidade. No conjunto geral do Orçamento, nós ainda não chegámos à meta", frisou.
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