Ao abandonar o último bastião nos arredores de Damasco da oposição islamita armada a Bashar al-Assad, o grupo Jaich al-Islam cumpriu parte do acordo estabelecido com as tropas russas e libertou duas centenas de pessoas que detinha prisioneiras, entre ativistas e militantes.
Razan Zeitouné, a líder, Waël Hamada, Samira Khalil e Nazem al-Hamadi desempenharam um papel essencial na organização de manifestações contra a presidência de Bashar al-Assad, desencadeadas em 2011 no âmbito da Primavera Árabe.
Depois do Jaich al-Islam ter assumido o controlo da cidade, a maior da região de Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco, os quatro passaram a denunciar os abusos do grupo islamita.
Foram raptados a 9 de dezembro de 2013 por desconhecidos quando se encontravam na sede de uma organização síria de defesa dos Direitos Humanos em Douma, o Centro para a Documentação de Violações.
Conhecidos a partir daí como os Quatro de Douma, o seu paradeiro continua desconhecido e receia-se que nunca venha a saber-se o que lhes sucedeu.
Impotência
"Atualmente, não se sabe onde estão. E agora que o Jaich al-Islam praticamente cedeu Douma ao regime e que continuamos sem notícias, temos ainda mais medo", disse o Bassel Hamada, irmão de Waël.
"É um sentimento de impotência. Enviamos cartas a países, embaixadores, líderes reis", lamenta Bassel.
As suspeitas do rapto recaem precisamente nos militantes do Jaich al-Islam, que negam qualquer envolvimento.Na altura do rapto, vários grupos armados procuravam assumir o controlo de Ghouta Oriental, incluindo o Jaich al-Islam - Exército do Islão - que faz parte da Frente Islâmica, uma coligação de grupos armados.
Um grupo de 57 ONG's exigiram aos islamitas armados a libertação dos ativistas, e sublinharam que "os países que os apoiam, assim como líderes religiosos e outros que possam ter influência sobre eles, deviam também pressiona-los para a libertação imediata de Zaitouneh e os seus colegas e para o fim dos raptos de civis".
O apelo não surtiu efeito. Mortos, transferidos para outras paragens, entregues ao Governo de Bassar al-Assad em troca de prisioneiros: nos últimos anos os rumores quanto ao destino dos quatro proliferaram.
Milhares de desaparecidos
"Acredito que nunca mais os irei ver. Espero enganar-me, que eles ainda andem por aí e sejam libertados. Mas a minha razão diz-me que eles foram eliminados ou estão com o regime", reflete Bassel.
Milhares de pessoas são dadas como desaparecidas na Síria, devastada por uma guerra fratricida e mortífera que opõe vários beligerantes, todos acusados de abusos - o Governo e também os grupos tidos como rebeldes e os jihadistas do grupo Estado Islâmico, o EI, que durante anos dominou um quinto do país.
O destino do padre jesuíta Paolo Sall'Oglio, raptado em Raqqa em 2013, é disso exemplo.
"O Daech (um acrónimo árabe para o EI) foi-se embora, mas continuamos sem notícias sobre o padre Paolo", lamenta o advogado Anwar al-Bunni, sírio mas instalado na Alemanha. Que também não espera qualquer notícia dos Quatro.
"Não há nenhuma esperança de ouvir falar deles, onde quer que estejam", afirma.
"O que receio é que tenham sido executados desde o início", refere por seu lado o defensor dos Direitos Humanos, Michel Sammas.
Promessas de Assad
O Governo sírio recuperou o controlo de Ghouta Oriental, incluindo Douma, à custa de uma ofensiva devastadora a que se seguiram acordos com os grupos armados que dominavam as principais áreas.
O Jaich al-Islam foi o último a ceder mas também o mais rápido a chegar a um acordo de saída. Libertaram então centenas de pessoas, civis e soldados que reencontraram agora as suas famílias.
O Presidente Basahr al-Assad reuniu-se por seu lado com famílias dos que permanecem desparecidos e assegurou-lhes o seu apoio.
"Não abandonaremos nenhuma das pessoas desaparecidas ou raptadas. Se uma delas estiver viva, iramos liberta-la, seja a que preço for", garantiu-lhes Assad.
As associações de defesa dos Direitos do Homem assumiram à Agência France Presse que desconhecem totalmente o destino dos Quatro de Douma. A Amnistia Internacional, a Cruz Vermelha Internacional e a Human's Rights Watch, HRW, não souberam dar qualquer indicação.
Acordos em causa
O Centro de Documentação de Violações, para quem trabalhavam os quatro ativistas quando foram raptados, lançou agora um apelo juntamente com outras ONG, por informações sobre o seu destino ou paradeiro.
"O facto de o seu caso não ter sido invocado durante as negociações" do acordo, faz renascer "a preocupação mais abrangente quanto à eficácia destes acordos incluindo a troca de detidos, para resolver a questão recorrente dos prisioneiros na Síria", reagiu Sara Kayyli, da HRW.
O marido de uma das quatro, Samira Khalil, perdeu toda a esperança de a rever.
"Teria preferido uma dissolução do Jaich al-Islam, que pudesse desembocar na libertação dela e na de Razan, Wael e Nazem", escreveu Yassin al-Haj Saleh.
"Mas essas esperanças desfizeram-se".