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Reunião no Vaticano. Francisco exige resposta a abusos sexuais

por Carlos Santos Neves - RTP
“O povo de Deus está a ver-nos”, clamou o Sumo Pontífice da Igreja Católica na abertura da reunião sobre “Proteção dos menores na Igreja” Vincenzo Pinto - EPA

“Proteção dos menores na Igreja”. É esta a divisa de uma reunião introspetiva de significado histórico, com os presidentes de conferências episcopais de todo o mundo, que tem início esta quinta-feira no Vaticano. Na abertura dos trabalhos, o Papa fez um apelo por “medidas concretas e efetivas” para pôr termo a abusos sexuais perpetrados pelo clero.

“O povo de Deus está a ver-nos e espera que nós não só condenemos, mas que tomemos medidas concretas e efetivas”, clamou o Sumo Pontífice da Igreja, ao intervir diante de 190 representantes da hierarquia católica.
A reunião sobre “Proteção dos menores na Igreja” abordará durante quatro dias os temas da “responsabilidade”, “transparência” e “assunção de responsabilidades”.

O “mal” do abuso sexual de menores – sucessão de escândalos que perdura há já mais de três décadas – terá de dar lugar a uma “purificação”, ainda segundo Francisco.

À declaração inicial do Papa seguiu-se um discurso do cardeal filipino Luis Tagle, que chorou ao reconhecer: “As feridas foram infligidas por nós, os bispos, às vítimas”.

Francisco assume por estes dias um propósito ambicioso: levar os presidentes das conferências episcopais a assumirem responsabilidades por sucessivos casos de abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica, escutando os testemunhos de vítimas e fundando novas formas de atuar.

Além dos presidentes das conferências episcopais, o encontro junta peritos e representantes de ordens religiosas de homens e mulheres. A organização afiança que os interlocutores vão “trabalhar juntos para responder” a um “sério desafio”.

A Conferência Episcopal Portuguesa é representada pelo cardeal patriarca, que há pouco mais de uma semana desvalorizava o número de casos de abusos denunciados em Portugal.

“Os casos tratados nos tribunais eclesiásticos onde chegam denúncias são pouquíssimos e, desses, mais de metade da investigação prévia parou por falta de fundamento”, afirmava a 12 de fevereiro Manuel Clemente, em conferência de imprensa, acrescentando que, desde 2011, foram denunciados no país “cerca de uma dezena de casos”.
“Tolerância zero”
Na quarta-feira, véspera do início do encontro no Vaticano, 12 vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero estiveram reunidas durante mais de duas horas com cinco responsáveis da Igreja. Manifestaram desapontamento por não terem sido recebidas por Francisco.
O secretário do Papa emérito Bento XVI chegou a referir-se aos sucessivos escândalos de abusos sexuais de menores – relatados nos Estados Unidos, Alemanha, Irlanda, Holanda, Austrália, França, Espanha e outros países - como “o 11 de Setembro da Igreja Católica”.
“Precisamos de uma conversa com o homem que faz as regras e que tem o poder nesta instituição e ele é o Papa Francisco”, vincou Peter Isely, um norte-americano de Milwaukee que em criança foi vítima de abusos perpetrados por um padre.

Isely, citado pela Reuters, revelou que a reunião com os representantes da hierarquia da Igreja foi “um pouco confrontacional, um pouco quente e, por vezes, pouco educada”.

“Fizemos as nossas exigências de tolerância zero. Queremos que o Papa o escreva em lei universal: tolerância zero para o encobrimento de crimes sexuais. Podem fazê-lo desde já”, afirmou ainda o norte-americano.

“Fomos muito firmes e muito eloquentes sobre o que tem de acontecer, especialmente na aplicação de leis que já existem e na sua aplicação com rigor”, relatou, por sua vez, o chileno Juan Carlos Cruz, vítima de abusos na adolescência por parte do padre Fernando Karadima, o rosto mais público da criminalidade pedófila naquele país sul-americano.

O Papa vai estar presente na totalidade das sessões e instantes de oração durante esta reunião de 114 conferências episcopais - 36 de África, 24 da América do Norte, América Central e América do Sul, 32 da Europa, 18 da Ásia e quatro da Oceânia.

Em agosto do ano passado, na antecâmara de uma deslocação à Irlanda, país onde mais de 14.500 pessoas reportaram abusos sexuais por parte de padres, Francisco assinou uma carta aos católicos. No texto condenou o crime, pediu perdão e exortou os leigos católicos a envolverem-se no combate pela erradicação dos abusos e do encobrimento.

“Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava a ser causado em tantas vidas. Negligenciámos e abandonámos os pequenos”, escrevia então o Papa.

c/ agências
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