Parlamento polaco adota reforma controversa do Supremo Tribunal

por Graça Andrade Ramos - RTP

Apesar dos fortes protestos da oposição e das advertências da União Europeia, os deputados polacos aprovaram esta quinta-feira a reforma do Supremo Tribunal, considerada pelo opositores um autêntico "Golpe de Estado" que põe em causa a independência do sistema judicial.

A Comissão Europeia ameaçou quarta-feira sancionar a Polónia se a reforma fosse aprovada. Mas, seguros na maioria que detêm em ambas as câmaras e na liderança em todas as sondagens de opinião, os conservadores do Partido Direito e Justiça (PiS), no poder desde o outono de 2015, ignoraram os avisos.

A câmara baixa votou a proposta com 235 votos a favor, 12 contra e 23 abstenções. Antes disso uma comissão parlamentar rrejeitou 1300 emendas propostas pela oposição. A lei sobre o Supremo Tribunal ainda precisa de ser votada pela câmara alta do Parlamento (Senado), provavelmente sexta-feira, e de ser promulgada pelo Presidente Andrzej Duda.

Mal se soube do resultado, manifestantes reunidos diante da sede do Parlamento protestaram com pontapés contra as barreiras policiais e gritos de "vergonha" e "a solidariedade é a nossa arma". Uma outra manifestação de protesto está marcada para esta noite frente ao palácio presidencial.A proposta agora aprovada atribui ao Presidente polaco poderes para influenciar o Supremo Tribunal e nomear os seus juízes membros. Apela ao afastamento dos actuais membros não escolhidos pelo Presidente e altera a estrutura de funcionamento do Tribunal, criando uma Câmara de Disciplina para avalisar a violação de regras ou de ética no sistema judicial.

A reforma surge depois da aprovação dia 12 de julho de outros dois textos legislativos.

O primeiro estipula que os membros do Conselho Nacional de Magistratura sejam escolhidos pelo Parlamento. O segundo prevê que os presidentes dos tribunais de direito comum passem a ser nomeados pelo ministro da Justiça.

O Governo polaco diz que a reforma é indispensável para renovar o sistema judicial e combater a corrupção. Interpreta a resistência encontrada como uma defesa dos privilégios e da impunidade de uma 'casta' de juízes.

Já para a oposição, a reforma enfraquece a separação de poderes e é uma tentativa de facilitar aos conservadores o controlo social.

"O perigo é que os tribunais vão ficar subordinados aos políticos", considerou em conferência de imprensa o mediador polaco e jurista Adam Bodnar. "O PiS, que tem apenas a maioria constitucional, está a tentar mudar pela lei o regime político da Polónia", acusa.

Para o politólogo Stanislaw Mocek, a adoção destas reformas "abre o caminho que conduz a Polónia para um sistema não-democrático".

Aguarda-se a reação de Bruxelas. "Estamos agora muito perto de acionar o artigo 7.º do Tratado da União Europeia (UE)", o que poderá significar a aplicação de sanções como a suspensão do direito de voto da Polónia no seio da União, alertou o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans.
Rota de colisão com a UE
O executivo comunitário deu uma semana a Varsóvia para recuar nas reformas do sistema judicial e admitiu recorrer a sanções sem precedentes caso as medidas avançassem.
Esta quinta-feira, o governo húngaro saiu em defesa do Executivo polaco e advertiu Bruxelas para não agir como um "corpo político" e ir além da sua autoridade. "Estamos ao lado da Polónia e apelamos a Comissão Europeia para não ultrapassar a sua autoridade" disse em comunicado o ministro húngaro dos Negócios Estrangeiros Peter Szijjarto.
Avisos entendidos como ameaças pelos apoiantes do Governo polaco, que não se mostram apesar disso impressionados.

Stanisław Pięta, um deputado do PiS afirmou "o Sr Timmermans não nos intimida nada".

Jaroslaw Kaczynski,o líder do PiS e principal líder polaco. disse que os avisos da Comissão Europeia eram políticos e que a UE não devia meter-se no assunto.

“Estas questões com que estamos a lidar agora pertencem exclusivamente à jurisdição do país, por isso o que temos aqui é um abuso (dos seus poderes)", disse Kaczynski à televisão estatal TVP.

“É simplesmente uma ação com caracter político", explicou.

Konrad Szymanski, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros com a pasta dos Assuntos Europeus, disse que Varsóvia irá defender a sua posição, incluindo perante as mais altas instâncias do Tribunal Europeu, se necessário.

Em entrevista ao wPolityce, pró-governamental, o deputado do PiS, Zdzisław Krasnodebski (ECR), afirmou que as ameaças de Timmermans’ são "uma tentativa de exercer pressãp psicológica no Governo do PiS".

Para Krasnodebski, o “papel da Comissão não é governar o processo legislativo polaco. A função do vice-presidente da Comissão Europeia não tem nada a ver com o processo legislativo na Polónia. O papel da CE é proteger os tratados e se, depois de uma legislação passar, decidir que a lei foi violada, então é tempo de denunciar o problema e agir".

Durante um debate no canal Republika TV, pró-PiS, Marcin Horała, um deputado do PiS, lembrou que “activar o artigo 7 écomplatemente impossível, requer uma maioria de 4/5 para ser activado. A Hungria já declarou que não irá apoiar o procedimento, o que efetivamente põe um ponto final na questão".
Paciência da CE "chegou ao fim"
Já do lado da oposição, as advertências de Bruxelas ecoam as suas preocupações e alertam para as consequências.
 
Para uma deputada da oposição, Timmermans profere "as palavras dos amigos da democracia polaca" e são dirigidas não à Polónia mas ao PiS. Kamila Gasiuk-Pihowicz, do Nowoczesna e uma das críticas mais veemente do Governo, afirma que toda a "União Europeia vê o PiS a violar a lei e a desrespeitar não só os valores comuns europeus mas também a Constituição Polaca".

Grzegorz Schetyna, líder do maior partido da oposição Plataforma Cívica (PO), avisou na câmara baixa que o comunicado de Timmermans era "um outro sinal para aqueles que governam a Polónia que se as suas políticas não mudarem, se não existir abertura, nenhuma confirmação de que queremos fazer parte da UE, então esta política contra a independência judicial acabará por empurra a Polónia para fora da União Europeia".

Já para o deputado do PO Rafał Trzaskowski, um ex-deputado europeu e ministro da União Europeia, a posição de Timmermans prova que a paciência da Comissão Europeia com a Polónia chegou ao fim. "Uma proposta sobre o Supremo Tribunal é tão explícita na sua politização do sistema judicial que não há lugar para interpretações. A CE vê que o Tribunal Constitucional foi paralisado", afirmou.
"Cenário negro", adverte Tusk
O Presidente conservador polaco, Andrzej Duda, fez saber que recusou encontrar-se com o chefe do Conselho Europeu, o também polaco Donald Tusk, que manifestou estar preocupado com a atual situação.

Tusk reagiu indiretamente em comunicado, avisando para um "cenário negro" que pode levar à "marginalização da Polónia na Europa".

O presidente do Conselho Europeu lamentou ainda que a ação do PiS esteja a empurrar a Polónia "para trás e para o leste" e apelou o Chefe de Estado a encontrar uma solução "aceitável para os polacos, a maioria parlamentar e a oposição, o Presidente e a UE".

"É difícil mas possível", concluiu. "Tente, senhor Presidente".

A aprovação do diploma é praticamente certa, apesar dos protestos de movimentos e partidos da oposição que, domingo passado, reuniram em protesto milhares de pessoas em Varsóvia e noutras cidades polacas.

Estas não são as primeiras reformas controversas assumidas pelo Governo conservador polaco desde 2015. As medidas tomadas quanto ao Tribunal Constitucional e a comunicação social estatal foram duramente criticadas pela Comissão Europeia.
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