Pequim vai obrigar responsáveis públicos de Hong Kong a juramento de fidelidade

por Graça Andrade ramos - RTP
Um homem segura um cartaz num centro comercial de Hong Kong com frases de apoio ao Partido Comunista Chinês, a 6 de julho de 2020. "Sem o Partido Comunista, não existe China", afirma uma das frases Joyce Zhou - Reuters

Para garantir que "só patriotas governam Hong Kong", o conselho executivo de território, leal a Pequim, aprovou uma proposta de alteração à lei eleitoral para purgar o sistema de defensores da democracia e da independência.

A alteração prevê que todos os eleitos para cargos públicos jurem fidelidade à soberania da República Popular da China, sob pena de desqualificação e proibição de voltar a concorrer por um período de cinco anos.

Além de jurada, a fidelidade terá de ser demonstrada não só no futuro mas também no passado.

"Se alguém se afirma um patriota e não respeita, ou tenta sabotar, as características base do nosso sistema – liderado pela República Popular da China – tal não será aceitável. Não faria sentido", explicou Erick Tsang, secretário para os assuntos constitucionais de Hong Kong. A proposta de lei designa como ofensas de deslealdade, o insulto ou a profanação das bandeiras de Hong Kong e da China, do hino nacional ou de outros símbolos nacionais. Ficam também proibidos atos como a oposição a leis executivas sem discriminação, apelos à demissão da liderança do governo ou a realização de "referendos disfarçados".

O verdadeiro objetivo da lei, além de garantir no futuro funcionários leais a Pequim, é limpar as concelhias de distrito, a única instituição completamente democrática em Hong Kong.

Nas eleições de 2019, os partidários pró-democracia ganharam quase 90 por cento dos 452 lugares de conselheiro distrital disponíveis.

Uma humilhação que Pequim recusa engolir, mesmo se o poder conferido a estes conselheiros se limita a questões comunitárias como recolha de lixo e paragens de autocarros. Até mesmo aí, as decisões deverão caber a pessoas leais ao poder chinês.

"Não se pode dizer, sou patriota mas não respeito que seja o Partido Comunista Chinês que lidera o país", frisou Tsang em conferência de imprensa esta terça-feira. "A lei irá cumprir a responsabilidade constitucional do governo".
Impedidos de se candidatar
O debate da proposta no Conselho Legislativo está marcado para 17 de março. Antes disso, dia 5, reúne-se o Parlamento de Hong Kong, expurgado da oposição pró-democracia que se demitiu em bloco em 2020, para aprovar a imposição das alterações à lei eleitoral, criticadas por reforçarem a deriva autoritária imposta desde a entrada em vigor da lei de segurança nacional a 30 de junho de 2020.

O secretário para os assuntos constitucionais de Hong Kong afirmou que proposta não especifica a extensão da retroatividade destas obrigações, "mas se iremos ou não julgar atos cometidos no passado por uma dada pessoa, isso irá depender das circunstâncias".

"Para demonstrar o juramento, pensamos que qualquer pessoa que falhe no cumprimento destes requerimentos deva sofrer restrições à sua capacidade de se apresentar a eleições", justificou Tsang. Henry Wong, um conselheiro pró-democracia eleito pelo distrito suburbano Yuen Long, reconheceu à Agência Reuters que está indeciso quanto ao juramento. "Isto é apenas um ato para legalizar a força bruta que eles usam para destruir as vozes da democracia", referiu.

A nova lei pretende obrigar os eleitos a jurar fidelidade a Hong Kong enquanto região chinesa de administração especial e à constituição local.

Quem for suspeito de violar a lei poderá ser suspenso pendendo uma audição judicial e uma eventual desqualificação.

Quem for desqualificado fica igualmente impedido de concorrer a cargos públicos por um período de cinco anos, o que poderá bloquear candidatos por duas eleições consecutivas, uma vez que estas seguem ciclos de quatro anos.

"Se jurar de forma séria não tem com que se preocupar", disse Tsang.
"Melhorar" o sistema
Os conselheiros distritais constituem um décimo dos votos do comité de 1200 responsáveis que se reúne a cada cinco anos para eleger o líder da cidade, atualmente Carrie Lam. A composição deste comité leva a que esteja recheado de apoiantes de Pequim, tal como o Conselho Legislativo do território.

Esta semana, Xia Baolong, diretor do serviço para os Assuntos de Hong Kong e Macau em Pequim, referiu-se às reformas como planos delineados pelo poder central para "melhorar" o sistema eleitoral de Hong Kong, já de si limitado. Xia referiu que as autoridades locais tinham de preencher "lacunas" que abriram o caminho da política a "desordeiros anti-China".

Críticos do Governo e líderes ocidentais acusam o Governo chinês de dar o dito por não dito e de estar a fazer tábua rasa do modelo um país, dois sistemas criado para permitir a continuidade do centro financeiro asiático.Há 23 anos, a administração da antiga colónia britânica foi devolvida à China com garantias de que seriam mantidas e respeitadas as suas liberdades e direitos específicos nos 50 anos seguintes. A autonomia do território face a Pequim é contudo cada vez mais letra morta, com o governo local a aproveitar as manifestações pró-democracia para impor progressivamente as diretivas do governo central.

Carrie Lam, a líder do Conselho Legislativo, apoiou esta terça-feira as recomendações de Pequim e afirmou que as alterações são necessárias para impedir o ódio à China e manter o modelo de governo um país, dois sistemas.

O ano passado, após a imposição de uma lei de segurança nacional draconiana por parte de Pequim, as autoridades fizeram uma limpeza do Conselho Legislativo e expulsaram todos cuja fidelidade à China e ao Partido Comunista foi considerada insuficiente.

A mesma lei justifica a detenção dos líderes da oposição e dos defensores da democracia, sob uma diversidade de acusações, incluindo reunião ilegal e conspiração com poderes externos.

A repressão começou logo em julho de 2020.
Mais de 100 pessoas foram detidas ao abrigo desta lei e milhares de outras têm sido perseguidas por participar nos protestos em massa pela democracia, em 2019.

Já em janeiro deste ano mais de meia centena de ativistas e políticos foram detidos por terem participado nas primárias não-oficiais organizadas em julho de 2020 pelos partidos pró-democracia, à revelia da proibição decretada pelo governo do território oficialmente devido à pandemia de Covid-19.Mais de 600 mil pessoas foram votar, qoe que foi interpretado como um protesto contra a deriva repressiva implementada.

As alterações à lei eleitoral irão abranger pelo menos quatro dos conselheiros de distrito que participaram dessas primárias, reconheceu Tsang. Os outros deverão ser impedidos de se candidatar no futuro.

Joshua Rosenzweig, líder da equipa da Aministia Internacional na China, denunciou a proposta de lei como mais um exemplo das tentativas das autoridades para "silenciar críticos e negar às pessoas o seu direito à participação política".

"Uma coisa é obrigar todas as pessoas eleitas para cargos públicos a cumprirem as suas obrigações legais", disse. "Mas é completamente diferente tentar essencialmente purgar de qualquer ramo executivo todos os que têm ideias diferentes do Governo", sublinhou Rosenzweig.
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