Primeiro-ministro do Sudão reassume cargo, oposição continua protestos

por Inês Moreira Santos - RTP
EPA

Quase um mês após o golpe de Estado, Abdallah Hamdock chegou a acordo com os insurgentes e deve voltar a assumir funções como primeiro-ministro do Sudão. Segundo o acordo assinado com o líder militar sudanês, Hamdok vai liderar um governo civil de tecnocratas por um "período de transição", assumindo o compromisso de partilhar o Executivo com as Forças Armadas até 2023, ano em que o país deverá realizar as primeiras eleições livres. Embora a prisão domiciliária do chefe do Executivo tenha sido levantada e tenha sido prometido a libertação de todos os presos políticos, milhares de pessoas estão a protestar contra qualquer acordo com os militares.

O primeiro-ministro sudanês afastado após o golpe militar de 25 de outubro foi libertado este domingo pelos militares, depois de os mediadores da crise anunciarem um acordo sobre o seu regresso.

"Foi alcançado um acordo político entre o general Burhane, Abdallah Hamdok, forças políticas e organizações da sociedade civil para o regresso de Hamdok ao cargo e a libertação dos presos políticos", disse um responsável do partido Umma Fadlallah Burma, à agência de notícias France-Presse.

Horas depois, Abdallah Hamdok reassumiu o cargo sob este acordo formalmente assinado com o general Abdel Fattah al-Burhan, em Cartum. Na primeira aparição pública desde o golpe militar, Hamdok fez um breve discurso ao lado do general Al-Burhan, chefe do exército e autor do golpe, no qual ambos disseram estar empenhados em retomar a transição para a democracia.

Segundo a imprensa internacional, ainda não é claro como será divido o poder entre o primeiro-ministro e as Forças Armadas, mas Hamdok declarou, na cerimónia de assinatura, que aceitou este acordo para evitar mais vítimas.

"O sangue sudanês é valioso, vamos acabar com este derramamento de sangue e direcionar a energia dos jovens para a construção e o desenvolvimento", disse Hamdok este domingo, citado pela Reuters.

Já o principal líder militar do país, o general Abdel Fattah Burhan, agradeceu a Hamdok pelo seu serviço e afirmou que o primeiro-ministro "foi paciente connosco até chegarmos a este momento".
Protestos continuam
Este acordo — que aproxima o Sudão de um retorno às autoridades de transição civil-militares de acordo com a divisão do poder decidida em 2019, após a queda do ditador Omar al-Bashir — não alterou, no entanto, a mobilização nas ruas. Centenas de manifestantes marcharam em várias cidades do Sudão, mantendo a pressão sobre o exército.

Os grupos pró-democracia exigem um governo civil total e, com este acordo, consideram que Hamdok se tornou um “vilão”.

"Hamdok vendeu a revolução"
, gritaram alguns manifestantes após o anúncio do acordo.

As Forças pela Declaração de Liberdade e Mudança, a organização que liderou o movimento que levou à queda do ditador Omar al Bashir deposto em 2019 e que partilhava o poder com os militares até ao mês passado, disseram que os perpetradores do golpe deveriam ser levados à justiça.

"Afirmamos a nossa posição clara e previamente declarada de que não há negociação, nem parceria, nem legitimidade para o golpe", disse a fação num comunicado.

O Partido Umma também divulgou, através de um comunicado, a sua oposição a qualquer acordo que não "responda às aspirações de todos os revolucionários e do povo sudanês".

"O partido expressa a sua fé na resistência vitoriosa e rebelde e reafirma que estará sempre ao lado do povo para proteger a justiça"
, lê-se no comunicado.

Para a Associação Profissional do Sudão (SPA), um importante grupo de protesto, o primeiro-ministro mostrou ser "traiçoeiro", ao fazer um acordo com os insurgentes responsáveis pelo golpe de Estado.

"Hamdok desiludiu-nos. A nossa única opção é vir para a rua", disse à Reuters um manifestante em Cartum.

"Não queremos um acordo com os militares", afirmou outro manifestante em Cartum do Norte, segundo a agência de notícias AFP. "Queremos um Governo civil completo, para que o exército volte ao seu quartel e responsabilize aqueles que mataram manifestantes desde o golpe".
Aumenta número de vítimas

Apesar das dezenas de mortos e centenas de feridos desde 25 de outubro, os sudaneses estiveram mais uma vez às centenas a marchar pelo centro de Cartum, Kassala, no leste, ou Atbara, no norte, para gritar "Não ao poder militar" e "Burhan saia" num país quase continuamente sob o domínio do exército desde sua independência, há 65 anos.

Em respostas aos novos protestos deste domingo, enquanto o primeiro-ministro assinava o acordo com as Forças Armadas, a polícia voltou a disparar bombas de gás lacrimogéneo contra os milhares de manifestantes que estavam nos portões do palácio presidencial.

Um jovem de 16 anos acabou por morrer após ser baleado na cabeça pelas forças de segurança na cidade sudanesa de Omdurman, informou o Comité Central de Médicos Sudaneses num comunicado, elevando para 41 o número de mortos nos protestos desde o Golpe Militar de 25 de outubro.


Desde o golpe de Estado, embaixadores ocidentais, negociadores das Nações Unidas ou africanos e figuras da sociedade civil sudanesa aumentaram os seus encontros com civis e militares em Cartum para relançar uma transição que supostamente conduziria o país a eleições livres em 2023, após 30 anos de ditadura de Al-Bashir, afastado pelo exército sob a pressão das ruas.

Recorde-se que, a 25 de outubro, o general Al-Burhan mandou prender quase todos os civis no poder, pôs fim à união formada por civis e militares e declarou o estado de emergência. Hamdok, que liderava o governo de transição, foi colocado sob prisão domiciliária.
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