A procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, anunciou esta quarta-feira que abriu uma investigação sobre possíveis crimes de guerra nos territórios ocupados da Palestina. A decisão foi saudada pela Autoridade Palestiniana, mas denunciada por parte do Estado israelita.
Bensouda, que está à frente deste processo há cinco anos, disse, em 2019, que “crimes de guerra foram ou estão a ser cometidos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza”. A procuradora-geral do TPI apontou as Forças de Defesa de Israel e grupos armados palestinianos, como o Hamas, como perpetradores destes crimes, concluindo, na altura, que havia “uma base razoável para prosseguir com uma investigação sobre a situação na Palestina”.
Após esta avaliação, a procuradora remeteu ao tribunal da Haia um pedido para se pronunciar sobre a amplitude jurisdicional do TPI e no mês passado, o tribunal declarou-se "competente" para julgar os acontecimentos nos territórios ocupados por Israel na designada Guerra dos Seis Dias, em 1967, que incluem, além da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e os montes Golã anexados à Síria. O conflito causou 2.251 mortos do lado palestiniano, na maioria civis, e 74 do lado israelita, sobretudo soldados. A investigação do TPI irá analisar ambas as partes envolvidas no conflito.
“A decisão de abrir uma investigação seguiu-se a uma meticulosa análise preliminar realizada pelo meu gabinete que durou cerca de cinco anos”, acrescentou Bensouda, garantindo que a investigação será conduzida "de forma independente, imparcial e objetiva, sem medo ou favorecimento".
“No final, a nossa preocupação central deve ser para com as vítimas de crimes, tanto palestinianas quanto israelitas, decorrentes do longo ciclo de violência e insegurança que causou um profundo sofrimento e desespero em todas as partes”, sublinhou a procuradora-geral, que será substituída pelo procurador britânico Karim Khan a 16 de junho.
O próximo passo neste processo passa por determinar se as autoridades israelitas ou palestinianas têm investigações próprias e avaliá-las.
“Ato de falência moral e legal”O executivo israelita já reagiu ao comunicado. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Gabi Ashkenazi, apelidou a decisão do TPI de “ato de falência moral e legal” e garantiu que Israel “tomará todas as medidas necessárias para proteger os seus cidadãos e soldados da perseguição legal”.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ainda não se pronunciou sobre a decisão do TPI. Quando Bensouda anunciou a decisão de avançar com o processo palestiniano, em 2019, Netanyahu acusou o TPI de se ter “tornado numa arma política na luta contra Israel”.
“Eles querem tornar o facto de os judeus viverem em Israel, a sua terra natal, num crime de guerra. É absurdo”, argumentou Netanyahu na altura, afirmando que a investigação consiste em “puro antissemitismo”.
Por sua vez, a Palestina saudou a declaração de Bensouda. “É um passo há muito esperado que atende à procura incansável da Palestina por justiça e responsabilização, que são pilares indispensáveis da paz que o povo palestiniano procura e merece", disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Nacional Palestiniana, que apelou à rápida conclusão da investigação, uma vez que “os crimes cometidos pelos líderes da ocupação contra o povo palestiniano são duradouros, sistemáticos e profundos”.
A Human Rights Watch (HRW) considera a decisão do tribunal um passo em direção à justiça para as vítimas israelitas e palestinians
Balkees Jarrah, diretora de justiça internacional da Human Rights Watch, defende que “os países membros do TPI devem estar prontos para proteger ferozmente o trabalho do tribunal de qualquer pressão política”.
A questão do escopo jurisdicional do TPI
O TPI é um tribunal de último recursos para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio que conseguem escapar a tribunais nacionais.
A Palestina passou a pertencer a este tribunal em 2015 e há muito que pressiona por uma investigação sobre Israel, que não é membro do TPI.
Nessa altura, a Palestina pediu ao tribunal para analisar crimes cometidos por parte de Israel durante a guerra de 2014 contra militantes palestinianos na Faixa de Gaza e Bensouda abriu um primeiro procedimento formal.
O procurador israelita, Avichai Mandelblit, acusou o TPI de ultrapassar os seus limites sustentando que “apenas Estados soberanos podem delegar jurisdição criminal ao Tribunal Penal Internacional” e que “a Autoridade Palestiniana não cumpre este critério”.
No entanto, Bensouda explica agora no comunicado que, “de acordo com o Estatuto de Roma, quando um Estado Parte encaminhou uma situação ao Ministério Público e for determinado que existe uma base razoável para iniciar uma investigação, o Escritório é obrigado a agir”.
c/agências