Projeto de nova Constituição entregue ao Presidente da Tunísia

por Lusa

O projeto de uma nova Constituição foi hoje entregue ao Presidente tunisino, que deverá validá-lo antes de o submeter a referendo a 25 de julho, dia do primeiro aniversário do golpe pelo qual assumiu plenos poderes na Tunísia.

O esboço da nova Constituição foi entregue a Kais Saied no palácio presidencial de Cartago por Sadok Belaid, presidente da "Comissão Nacional Consultiva para uma Nova República", encarregada de redigir o texto.

"Cumprimos os prazos (...) e esperamos [que este projeto] satisfaça o Presidente", declarou Belaid após o encontro, num vídeo divulgado pela Presidência da República.

O Presidente tunisino sublinhou que este projeto de Constituição "não é final e que alguns artigos poderão ser sujeitos a revisão e a uma reflexão mais aprofundada", indicou a Presidência num comunicado.

O texto deverá ser validado por Saied até 30 de junho, antes de ser submetido a referendo a 25 de julho.

O bastonário da Ordem dos Advogados tunisina, Ibrahim Bouderbala, que presidiu a uma das comissões que participaram no "diálogo nacional" sobre o projeto de Constituição, disse à agência de notícias francesa AFP que o texto estipula que "o Presidente da República é o responsável pelo poder executivo".

A nova Constituição substituirá a de 2014, que instaurou um sistema híbrido que foi fonte de conflitos recorrentes entre os poderes executivo e legislativo.

O novo projeto dedica também "especial atenção a matéria económica", acrescentou Bouderbala.

Sadok Belaid tinha afirmado a 06 de junho, numa entrevista à AFP, que apresentaria ao chefe de Estado um projeto de lei constitucional expurgado de qualquer referência ao Islão, para combater os partidos de inspiração islâmica como o Ennahdha, o que desencadeou um aceso debate no país.

Após meses de impasse político, Saied, democraticamente eleito no final de 2019, assumiu plenos poderes a 25 de julho de 2021, demitindo o primeiro-ministro e dissolvendo o parlamento, dominado pelo Ennahdha.

O projeto da nova Constituição é-lhe entregue numa altura em que se encontra debaixo de intensas críticas da oposição, excluída do "diálogo nacional" que ele organizou, e que o acusa de procurar a aprovação de um texto feito à medida para ele mesmo.

Um dia antes da entrega ao chefe de Estado do novo projeto de lei fundamental, centenas de pessoas manifestaram-se em Tunes contra a sua aprovação e a demissão de 57 juízes por Kais Saied.

"O povo quer a independência da justiça" e "Constituição, liberdade e dignidade", repetiram os manifestantes que saíram à rua em resposta à convocatória da Frente de Salvação Nacional, uma coligação de uma dezena de organizações opositoras ao regime de Saied, incluindo o partido de inspiração islamita Ennahdha, principal opositor do atual Presidente.

Na base dos protestos está o "diálogo nacional" lançado pelo Presidente há duas semanas para redigir uma nova Constituição, antes das eleições legislativas marcadas para dezembro.

O diálogo foi boicotado pela oposição, incluindo a poderosa organização sindical UGTT, que alega que setores-chave da sociedade civil e os partidos políticos estão excluídos.

"Estamos a manifestar-nos contra a exclusão do poder judicial e contra o golpe de Estado contra a Constituição" adotada em 2014, três anos após a queda da ditadura de Zine El-Abidine Ben Ali, disse Ali Larayedh, líder do partido conservador islâmico Ennahdha, principal força no parlamento dissolvido por Saied em julho do ano passado.

A 01 de junho, o Presidente exonerou por decreto 57 juízes, alegando vários motivos, entre os quais "corrupção", "adultério" e obstrução de investigações, depois de fortalecer a sua tutela sobre o sistema judicial.

Esta decisão, denunciada por várias organizações não-governamentais, incluindo a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, como um "ataque direto ao Estado de Direito", levou a uma greve dos magistrados tunisinos contra a demissão dos colegas, num protesto que hoje entrou na sua terceira semana.

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