Quase 3.500 crianças cabo-verdianas esperam teste de ADN para ter paternidade

por Lusa
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Os tribunais cabo-verdianos têm pendentes quase 3.500 processos de averiguação de paternidade, mas o sistema não tem recursos financeiros para acelerar os testes de ADN, conclui o relatório anual do Ministério Público sobre a situação da Justiça.

De acordo com o documento, relativo ao ano judicial 2019/2020, elaborado pelo Conselho Superior do Ministério Público (MP) e ao qual a Lusa teve hoje acesso, para o ano judicial iniciado em 01 de outubro último transitaram, do anterior, 3.429 averiguações oficiosas de paternidade. Trata-se de um aumento de 7,2% face aos processos pendentes no final do ano judicial 2018/2019, que foi então de 3.200.

Segundo o relatório, no último ano judicial entraram no MP cabo-verdiano mais 540 processos de averiguação oficiosa de paternidade, um aumento de praticamente 25% face ao anterior, e foram resolvidos 311, nomeadamente através de testes de ADN.

"Sendo que o meio de prova mais seguro para permitir a identificação do pai e o estabelecimento da paternidade é o ADN, cujos custos financeiros da sua realização, normalmente, não se encontram ao alcance dos intervenientes processuais", lê-se no relatório anual.

O parlamento de Cabo Verde discute na quinta-feira, 29 de outubro, o estado da Justiça no país, abordando nomeadamente este relatório do MP.

A fuga à paternidade é um problema recorrente reconhecido pela sociedade e poder político em Cabo Verde, motivando anualmente centenas de processos judiciais, nomeadamente para efeitos de perfilhação.

Daí que o relatório do MP faça o apelo à "mobilização pelo Estado de recursos financeiros e condições logísticas para a realização de exames de ADN" nos processos pendentes.

"E, dessa forma, permitir a concretização do direito das crianças de terem um pai e à especial proteção pelo Estado", aponta o relatório, que também apela à necessidade de instalar o Instituto de Medicina Legal de Cabo Verde, órgão que, entre outras funções, deveria assumir também a realização destes testes.

Um acordo rubricado em 22 de novembro de 2019, na ilha do Sal, entre os governos de Portugal e de Cabo Verde, previa o apoio do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses de Portugal à Polícia Judiciária cabo-verdiana, para reduzir os processos pendentes de investigação de paternidade.

Em causa a necessidade de realização de testes e perícias de ADN para confirmar, legalmente, processos de investigação de paternidade pendentes nos tribunais de Cabo Verde. Essas perícias deveriam passar a ser feitas em Portugal ao abrigo do aditamento, então assinado, ao Memorando de Entendimento celebrado entre os dois países, também em 2019.

"As pendências são em mais de 3.000. Estamos em crer que com a assinatura deste protocolo vamos chegar às quase 1.000. Serão sempre necessários mais esforços, mas isto representa um passo muito importante e significativo", explicou na ocasião a ministra da Justiça e Trabalho de Cabo Verde, Janine Lélis, que assinou a adenda ao memorando em conjunto com o secretário de Estado Adjunto e da Justiça de Portugal, Mário Morgado.

O memorando de entendimento foi assinado em 25 de setembro de 2019, na cidade da Praia, pelas ministras da Justiça de Cabo Verde, Janine Lélis, e de Portugal, Francisca Van Dunem, envolvendo o apoio português às autoridades cabo-verdianas ao nível da assessoria e assistência técnica na área da medicina legal e ciências forenses.

"Há sempre espaço para aprofundar a colaboração entre Portugal e Cabo Verde. Da parte de Portugal estamos sempre disponíveis para aprofundar o relacionamento entre os dois Estados", explicou o secretário de Estado Adjunto e da Justiça de Portugal, Mário Morgado.

Este aditamento surge face à falta de respostas em Cabo Verde ao problema dos processos de paternidade pendentes em tribunal e que carecem dos testes de ADN, obrigatórios, para concluir os processos judiciais de perfilhação.

"Isto tem um valor muito importante, acima de tudo porque também se associa neste projeto o Instituto de Medicina Legal com a nossa Polícia Judiciária para que, uma vez mais em cooperação, se possa dar uma resposta", sublinhou a ministra Janine Lélis.

Para Mário Morgado, este apoio visa "normalizar a situação" em Cabo Verde e também é justificado com o "património", a vários níveis, que os dois países partilham.

A realização destas perícias pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses será um serviço pago pelas autoridades cabo-verdiana, mas Portugal, segundo Mário Morgado, está também a apoiar a formação de técnicos de Cabo Verde nesta área.

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