Ramos-Horta diz que há alternativas para corrigir "ilegitimidade" no parlamento timorense

por Lusa
António Sampaio - Lusa

O candidato presidencial timorense José Ramos-Horta considera que o atual presidente do Parlamento não está legitimamente em funções, mas que há "outras soluções" que evitem a dissolução parlamentar, incluindo "uma nova maioria".

"Não é assim tão complicado quanto isso. Não é inultrapassável a questão da ilegitimidade da atual mesa, do atual presidente do parlamento", disse, em entrevista à agência Lusa.

Na sua primeira entrevista desde que confirmou a sua candidatura, no domingo, o ex-Presidente da República questionou ainda a intervenção do Tribunal de Recurso nesta matéria, considerando que os juízes não foram imparciais.

Afirmando que sempre trabalhou para "procurar o diálogo e soluções pacíficas e consensuais para se sair de imbróglios" no país, Ramos-Horta notou que o atual presidente do parlamento, Aniceto Guterres, "é jurista e deve estar consciente da ilegalidade do procedimento que o levou à mesa" do parlamento.

Mas, insistiu, não importam debates sobre se o presidente do parlamento "é legal ou não, mas qual é a solução melhor para o normal funcionamento do parlamento", havendo "vários cenários" em cima da mesa e que "nem sequer envolvem o Presidente eleito".

"Pode haver uma nova maioria mesmo antes de maio [data tomada de posse do novo Presidente], que reconfigure a mesa. Em Timor-Leste, como em tantos outros países, as alianças de hoje desfazem-se amanhã. É uma possibilidade, a acontecer depois das presidenciais", disse.

Outra alternativa tem a ver com o próprio regimento, que determina que em caso de "impedimento" do presidente do parlamento, a sessão inaugural para dar posse ao novo Presidente pode ser convocada por um dos vice-presidentes.

"E na impossibilidade dos vice-presidentes, o deputado mais velho tem essa legitimidade para presidir a uma sessão inaugural para dar posse ao novo Presidente", disse, confirmando que "o deputado mais velho é um elemento do CNRT".

A questão da dissolução parlamentar -- opção apontada há meses por elementos do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), que apoia a candidatura de Ramos-Horta -- marcou a conferência do partido que o aclamou como candidato.

Uma das resoluções do encontro detalha "condições a fim de o candidato tomar conhecimento e implementar depois de eleito e empossado Presidente da República" e inclui "repor a ordem constitucional pela dissolução do Parlamento Nacional e marcação das eleições legislativas, a fim de ser pôr fim à grave violação da Constituição e do Estado de Direito democrático".

O CNRT quer ainda que, se Ramos-Horta vencer, avance para "reestruturar o Tribunal de Recurso e a Procuradoria-Geral da República" e ainda que consulte o partido "sobre as pessoas que deseja nomear para a sua equipa de assessoria" para assim "assegurar boa comunicação e boa relação de trabalho, que deve ser efetivo para facilitar o processo de reposição da ordem constitucional e do Estado de Direito democrático".

Depois da reunião, o presidente do CNRT, Xanana Gusmão, disse à Lusa que a decisão do partido é apenas "uma recomendação".

Em causa está uma situação polémica, ainda hoje questionada por vários setores em Timor-Leste, sobre a forma como o atual presidente do parlamento, Aniceto Guterres (Fretilin), assumiu funções, em maio de 2020.

"Uma bagunça no parlamento em que o presidente, fisicamente no edifício é surpreendido com, de repente, uma vice-presidente a convocar uma plenária em que votam a substituição do presidente da mesa", considera Ramos-Horta.

A maioria - Fretilin, PLP e KHUNTO - exigiu durante vários dias que o presidente do parlamento, Arão Noé (CNRT), convocasse o plenário em que seria votada a sua substituição, e quando este não o fez, a plenária foi convocada pela vice-presidente, Angelina Sarmento (PLP).

Entre os vários aspetos do caso está uma situação idêntica, em final de 2017, em que a oposição de então, liderada pelo CNRT, queria eleger um novo presidente do parlamento nacional, o que nunca ocorreu, alegam, porque o então responsável, Aniceto Guterres, se recusou a agendar plenárias durante várias semanas.

"O Aniceto nunca convocou o plenário. E eu acompanhei essas artimanhas entre o então primeiro-ministro Alkatiri, com Aniceto Guterres e o Presidente da República", afirmou o candidato.

"Apesar disso, o CNRT nunca tentou um assalto direto contra as regras do regimento, aproveitando algum momento em que o presidente do parlamento estivesse a dormir ou na casa de banho, para saltar e colocar o Arão em funções", afirmou.

José Ramos-Horta considerou ainda que o Tribunal de Recurso se mostrou "parcial" na sua análise dos incidentes, porque não se debruçou sobre o fundamental e se ficou pela tecnicidade de questionar se o pedido de análise suscitado por Arão Noé tinha sido assinado antes ou depois da sua substituição na presidência.

"É obvio que o Tribunal de Recurso estava feito com quem de direito. Não foi imparcial. O Tribunal devia ter-se debruçado sobre o ato, a substância do que aconteceu, com os artigos da Constituição e os procedimentos parlamentares", considerou.

Uma semana depois o TR indeferiu "liminarmente" o recurso considerando a destituição e eleição "atos políticos" e como tal não suscetíveis de controlo judicial quanto à sua constitucionalidade, pelo que o recurso deveria ser feito ao próprio plenário.

José Ramos-Horta insistiu que "um ato ilegítimo é ilegitimo seja para quem for", defendendo que não se pode "pura e simplesmente esquecer atos inconstitucionais e ilegais", porque senão vai-se "perpetuar e criar precedentes".

E recorda o seu papel enquanto primeiro-ministro, primeiro, e depois Presidente, a seguir à crise de 2006, em que ajudou a estabilizar a tensão política e os conflitos internos, contribuindo para um reatar das relações entre os dois maiores partidos, Fretilin e CNRT.

"Quando terminei o mandato, em 2012, entreguei o país completamente diferente do que o recebi em 2007", referiu.

A primeira volta das presidenciais decorre em 19 de março.

 

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