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Reino Unido lança confusão ao sugerir que Putin está a planear um golpe na Ucrânia

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Sergey Pivovarov - Reuters

No sábado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido divulgou um comunicado que expõe um alegado plano russo para impor um Governo fantoche na Ucrânia. Londres avança com quatro nomes de ex-políticos ucranianos, um dos quais seria o potencial líder desse Governo pró-Rússia em Kiev, mas nenhum outro detalhe ou prova é referida no documento. Moscovo diz que Londres está a espalhar desinformação, mas os EUA defendem o Reino Unido.

Numa divulgação pública altamente incomum e com poucos detalhes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido acusou a Rússia de estar a preparar a instalação de um Governo pró-Rússia na Ucrânia, numa altura de crescente tensão entre a Rússia e a Ucrânia.

O comunicado foi divulgado no passado sábado e rapidamente lançou a confusão. Londres não apresenta provas que apoiem as suas alegações, adiantando apenas que as informações são dos serviços secretos britânicos. Moscovo diz que Londres está a espalhar desinformação, mas os EUA partilham a posição do Reino Unido.

Segundo a avaliação britânica, o Governo fantoche na Ucrânia seria composto por quatro ex-políticos ucranianos, que Londres acusa de manterem laços com os serviços de informações russos, nomeadamente funcionários atualmente envolvidos no planeamento de um ataque a Kiev.

No entanto, todos os quatro ex-políticos referidos por Londres faziam parte do círculo próximo do presidente ucraniano deposto Viktor Yanukovych. Todos vivem exilados na Rússia desde 2014, após uma revolta popular que derrubou o Governo apoiado pela Rússia em Kiev e que desencadeou a guerra separatista no leste da Ucrânia que continua até hoje.

O potencial líder desse Governo fantoche pró-Kremlin em Kiev seria Yevgeniy Murayev, ex-membro do Parlamento ucraniano. Antigo membro do Partido das Regiões, apoiado pela Rússia, Murayev é agora líder de um partido político chamado Nashi.

As alegações do Governo britânico lançaram ainda mais confusão depois de Yevgeniy Murayev ter revelado ao jornal Observer que seria um candidato improvável para chefiar um Governo fantoche de Moscovo.

“O Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros deve estar confuso. Eu estou banido da Rússia”, disse o ex-político ao jornal britânico.

Outro dos nomes apontados pelo Governo britânico é Vladimir Sivkovich, um dos quatro ucranianos alvo de sanções por parte do Governo norte-americano pelo seu alegado envolvimento nos esforços russos para desestabilizar a Ucrânia. Sivkovich também participou numa operação que visava influenciar as eleições presidenciais dos EUA em 2020, de acordo com uma avaliação do Governo dos EUA.

Mykola Azarov, ex-primeiro-ministro da Ucrânia, é outro dos nomes mencionados no relatório britânico. Azarov fugiu da Ucrânia em 2015 e a Europol emitiu um aviso vermelho para mandado de captura. Azarov foi ainda acusado de corrupção e de ter aceitado subornos para nomear um aliado como vice-primeiro-ministro. Esse aliado era Andriy Kluyev, ex-secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, também apontado pelo Reino Unido como parte do esquema russo para assumir o controlo de Kiev.

O último nome mencionado no relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido é o de Serhiy Arbuzov. Arbuzov serviu como vice-primeiro-ministro e chefe do banco nacional sob o mandato de Yanukovych. Substituiu Mykola Azarov como primeiro-ministro depois de Azarov ter renunciado em 2014.
Rússia acusa Reino Unido de espalhar “desinformação”
Washington diz acreditar na veracidade do plano divulgado pelo Reino Unido. Os EUA salientam que dentro do grupo “Five Eyes” – uma aliança que visa a cooperação dos serviços de inteligência – o Reino Unido tem a responsabilidade primária de intercetar as comunicações russas, sendo por isso que desempenhou um papel importante na investigação da interferência russa nas eleições de 2016.

Emily J. Horne, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, disse em comunicado que “esse tipo de conspiração é profundamente preocupante”. “O povo ucraniano tem o direito soberano de determinar o seu próprio futuro, e estamos do lado dos nossos parceiros democraticamente eleitos na Ucrânia”, acrescentou.

O Ministério russo dos Negócios Estrangeiros nega, por sua vez, a acusação britânia e acusa o Reino Unido de estar a espalhar “desinformação”.

A disseminação de desinformação pelo Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros é mais uma prova de que os países da NATO, liderados pelos anglo-saxónicos, estão a aumentar as tensões em torno da Ucrânia”, afirmou o Ministério russo em comunicado. “Pedimos ao Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros que pare com as sus atitudes provocatórias”, apelou.

Vasyl Filipchuk, ex-porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, referiu-se ao relatório britânico como “ridículo”. “Mesmo uma eleição fraudulenta não conduziria os atores políticos pró-russos ao poder, e tentar instalá-los à força pressupunha uma longa e sangrenta batalha”, explicou Filipchuk, citado por The Guardian.

Bill Taylor, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, explicou ao Daily Beast que não há forma como os quatro ex-políticos apontados pelo Reino Unido conseguiriam qualquer apoio dos ucranianos. “Essas pessoas refletem as opiniões, elas poderiam ser apoiadas pelo povo ucraniano? A resposta é não”, disse Taylor.

Filipchuk explica que esse cenário apenas funcionaria se as forças russas conduzissem um ataque e conquistassem o poder de Kiev. “A cidade seria dizimada, as terras queimadas e um milhão de pessoas fugiria”, explicou o ex-porta-voz ucraniano. “Temos 100.000 pessoas na capital com armas, prontas para lutar. Pode haver um plano, mas é mentira”, acrescentou. Há quem pense que o relatório foi apenas uma jogada por parte de Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, que procura reforçar a sua liderança ao explorar uma crise internacional, numa altura em que o seu cargo está em risco face às crescentes controvérsias em que está envolvido.

No entanto, outros especialistas não descartam completamente a veracidade do relatório britânico. Nina Jankowicz, investigadora do Wilson Center, que estuda o cruzamento entre democracia e tecnologia na Europa Central e Oriental, defende que apesar de o golpe parecer uma tentativa desesperada da Rússia, Putin tem demonstrado que já não se importa com “o que é mais prudente”.

Não acho que nada disso seja um plano prudente por parte da Rússia. Mas parece cada vez mais que Putin não se importa com o que é um plano prudente ou não”, disse Jankowicz, citada pelo Daily Beast. “Ele realmente só quer eliminar os EUA e o Ocidente do que ele vê como o seu círculo de influência”, acrescentou.

Esta não seria a primeira vez que o Kremlin tentaria instalar um líder pró-Rússia ou interferir no Governo da Ucrânia. Em 2004, as tentativas russas de influenciar as eleições presidenciais ucranianas desencadearam o que ficou conhecido como “Revolução Laranja” – uma série de protestos que levaram a novas eleições e, por sua vez, à derrota de Yanukovych, o candidato favorito do Kremlin.
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