Reino Unido recusa dar estatuto diplomático a embaixador da União Europeia

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

O português João Vale de Almeida é o novo embaixador da União Europeia no Reino Unido, mas o Governo britânico recusa-se a conceder-lhe o estatuto diplomático completo. A renúncia britânica está a gerar uma nova disputa entre Londres e o bloco comunitário.

O Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros considera que o embaixador europeu e os funcionários diplomáticos não devem beneficiar dos mesmos privilégios e imunidade garantidos aos diplomatas pela Convenção de Viena, uma vez que a União Europeia é uma organização internacional e não um Estado, avança a BBC.

De acordo com a estação pública britânica, o Governo britânico recusa-se a conceder ao embaixador da UE, o diplomata português João Vale de Almeida, e à respetiva equipa o mesmo estatuto diplomático e privilégios que atribui aos enviados de países, com o fundamento de que a UE não é um Estado-nação.

Quando os embaixadores estrangeiros assumem o cargo em Londres, têm de apresentar as credenciais à Rainha, mas João Vale de Almeida, que entrou em funções no início de fevereiro de 2020, após vários anos como embaixador europeu nos Estados Unidos, ainda não teve oportunidade de o fazer. Esta decisão britânica contrasta com os outros 142 países em todo o mundo onde a UE tem representantes diplomáticos e onde é concedido o mesmo estatudo que a embaixadores de nações soberanas.

Segundo um representante do bloco comunitário, "o Reino Unido, como signatário do Tratado de Lisboa, está bem ciente do estatuto da UE nas relações externas e teve conhecimento e apoiou este estatuto enquanto era membro da UE" e que todas as delegações da União Europeia pelo mundo receberam estatuto equivalente ao das missões diplomáticas dos outros países.

O governo britânico quer, refere a BBC, tratar a embaixada da União Europeia em Londres apenas como uma representação de uma organização internacional - o que significa que os diplomatas da UE não teriam a proteção total da Convenção de Viena, que garante imunidade de detenção, jurisdição criminal e tributação.

A questão vai ser discutida pelos ministros das Negócios Estrangeiros europeus na próxima segunda-feira, quando se reunirem pela primeira vez desde o período de transição pós-Brexit, encerrado a 31 de dezembro.

Também à estação, um porta-voz do Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros disse que continua em negociações com Bruxelas sobre "as providências a longo prazo para a delegação da UE no Reino Unido".
UE tem "sérias preocupações" com acordo britânico
O alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, escreveu em novembro ao Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, para expressar "preocupações graves" relativamente a este problema, estando previsto que a questão seja discutida pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE na próxima segunda-feira.

Segundo a publicação, Borrell considera que as propostas de Londres sobre o assunto não constituem uma base razoável para um acordo.

"Os arranjos oferecidos não refletem o caráter específico da UE, nem respondem à relações futuras entre a UE e o Reino Unido como um terceiro país importante [um não membro da UE]"
, escreveu o Alto Representante da UE.

A União Europeia argumenta ainda que não é uma organização internacional típica porque tem a sua própria moeda, sistema judicial e poder legislativo.

Na carta a Dominic Raab, Borrell disse que a UE tem "sérias procupações" sobre a proposta britânica para um acordo diplomático.

Tal acordo "não concederia os privilégios e imunidades habituais para a delegação e o seu pessoal", adianta o documento citado pela BBC. "As propostas não constituem uma base razoável para chegar a um acordo".

Os representantes diplomáticos da UE acusam, em particular, o Ministério britânico do Nesgócios Estrangeiros de hipocrisia, alegando que quando o Serviço de Ação Externa da UE foi criado em 2010 como resultado do Tratado de Lisboa, o Reino Unido assinou propostas permitindo que os diplomatas da UE recebessem os "privilégios e imunidades equivalentes às referidas na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 18 de abril de 1961".
Governo britânico acusado de ser "mesquinho"

O receio da Comissão Europeia é, também, que outras nações com relações mais hostis com a União Europeia possam seguir os passos do Reino Unido e começar a recusar conceder as proteções e direitos dos diplomatas da UE.

Uma outra fonte da UE disse à BBC que a decisão britânica "parece mesquinha".

"Não se trata de privilégios, mas de princípios. O que é que isto diz sobre o Reino Unido, sobre quanto vale a assinatura britânica?"
, acrescentou.

A UE relmebrou ainda que "tem 143 delegações, equivalentes a missões diplomáticas, em todo o mundo" e que, "sem exceção, todos os Estados anfitriões aceitaram conceder a essas delegações e ao seu pessoal um estatuto equivalente ao das missões diplomáticas de Estados ao abrigo da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e o Reino Unido está bem ciente desse facto".

"Nada mudou desde a saída do Reino Unido da União Europeia para justificar qualquer mudança de posição por parte do Reino Unido"
, lamenta o executivo comunitário.

"O estatuto da UE nas relações externas e seu subsequente estatuto diplomático são amplamente reconhecidos por países e organizações internacionais em todo o mundo, e esperamos que o Reino Unido trate a Delegação da UE em conformidade e sem demora".

A União Europeia está, contudo, "confiante" de que vai resolver rapidamente e "de forma satisfatória" com os seus "amigos em Londres" a questão do estatuto diplomático do seu representante no Reino Unido, lembrando que "não é uma organização internacional ‘típica’".

O porta-voz lembrou também que "o estatuto da delegação da UE em Londres não fez parte das negociações" com Londres sobre as relações no pós-‘Brexit’ e assinalou que, agora que esse acordo foi ‘fechado’, as partes deveriam também "estabelecer um quadro diplomático adequado baseado na reciprocidade para a cooperação e para efeitos da implementação deste acordo".

"A concessão de tratamento recíproco com base na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é prática corrente entre parceiros iguais, e estamos confiantes de que podemos esclarecer esta questão com os nossos amigos em Londres de uma forma satisfatória", disse.

"Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o papel dos atores institucionais da União nas relações externas foi ainda mais reforçado", tendo sido estabelecidas delegações da União em países terceiros e em organizações internacionais, todas com estatuto de missões diplomáticas, finalizou.

Já a diplomacia britânica respondeu que "enquanto as discussões ainda estão a decorrer, não seria apropriado especular sobre os detalhes de um eventual acordo".
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