Relatório do Congresso: poderio militar norte-americano está a enferrujar

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Alkis Konstantinidis, Reuters

Em causa está a estratégia de defesa da Administração Trump. O relatório da comissão de defesa do Congresso, constituída por republicanos e democratas, avisa para um possível cenário de derrota das forças armadas dos Estados Unidos em caso de conflito com a Rússia ou a China. Os relatores dão nota positiva aos objectivos desenhados por Washington, avisando contudo que não estão a ser disponibilizados os meios para preencher esses objectivos.

Deixando um reparo sobre o escasso investimento da Administração na sua estratégia de defesa para o país, a comissão alerta a liderança de Donald Trump para o risco de uma crescente erosão da liderança militar norte-americana – cenário que poderá levar a uma situação de emergência para a própria segurança dos Estados Unidos numa altura em que Pequim e Moscovo procuram cimentar a dominação nas suas áreas de implantação para catapultar essa influência a nível global, adverte o relatório.

A par da crescente militarização regional dos principais adversários dos norte-americanos, é notada a tendência chinesa e russa para o desenvolvimento de sistemas defensivos que têm os Estados Unidos como principal referência.

Um dos membros da comissão, Kathleen H. Hicks, que desempenhou funções de topo no Pentágono durante a Presidência de Barack Obama, pôs o dedo na ferida: “Há um forte receio da complacência, as pessoas habituaram-se tanto a que os Estados Unidos acabem por conseguir os seus objectivos a nível global, também em termos militares, que estão a ignorar estes sinais de alerta”.

“É este sinal vermelho agora a piscar que estamos a tentar transmitir”, sublinhou Hicks.

Eric Edelman, outro antigo funcionário do Pentágono durante a Presidência Bush e que chefiou a comissão, insistiu neste ponto, advertindo para os perigos que os Estados Unidos correm, simplesmente por ignorarem os sinais dos tempos. Foram anos com Washington a olhar para o lado enquanto se erodia a capacidade das forças militares, lamentou Edelman.

“[A Rússia e a China] aprenderam com o que nós fizemos. Aprenderam com os nossos sucessos. E enquanto estivemos empenhados noutro tipo de guerra, eles foram-se preparando para um tipo de conflito, um tipo extremo de conflito a que nós não damos suficiente importância há muito tempo”, respondeu Edelman a Michael Morell, antigo sub-director e director (interino) da CIA, numa entrevista para o podcast de Morell “Intelligence Matters”.

Na visão de Edelman, os líderes norte-americanos estão a perder a noção de quão complexo o xadrez da segurança internacional se tornou para os Estados Unidos. Não bastando a evolução do cenário internacional, acrescentou o republicano, tanto os americanos como o Congresso deixaram de prestar a devida atenção a estes factos.
Cenário sombrio

Apontando essa nova era nas estratégias militares globais, a comissão traça um cenário sombrio para a outrora força dominante no globo, atirando as responsabilidades desse declínio para as lideranças políticas que falham em fornecer recursos e inovação necessários à manutenção de uma dominação que foi a marca de água das forças americanas nas últimas décadas e que ganha uma importância renovada no momento em que, de acordo com a comissão, surge no horizonte uma nova espécie de Guerra Fria.

É uma realidade que afectará não apenas os norte-americanos, como também a percepção e confiança dos seus aliados, concluíram os membros da comissão após a análise de documentos classificados do Pentágono e entrevista de membros de topo da Defesa: “O exército norte-americano pode vir a sofrer um número inaceitável de baixas e perda de activos substanciais no seu próximo conflito. Poderá vir a ter de fazer um enorme esforço para vencer, ou vir mesmo a perder, numa eventual guerra com a China ou com a Rússia”, adverte o relatório.

A situação torna-se mais dramática no caso de um cenário de intervenção em vários conflitos em simultâneo, referem os relatores, apontando que essa seria “uma situação em que os Estados Unidos poderiam ser esmagados” pelos seus inimigos.

“Está para além da natureza no nosso trabalho identificar o exacto valor requerido para financiar plenamente as necessidades militares. No entanto, podemos dizer que os recursos disponíveis são claramente insuficientes para cumprir os objetivos ambiciosos da [nossa] estratégia, incluindo o de garantir que (o Departamento de Defesa) pode derrotar um adversário de grande poder, mantendo a capacidade de simultaneamente dissuadir outros inimigos”, sublinha o relatório agora conhecido.

A comissão faz uma alusão aos números conhecidos dos investimentos na militarização de diversos países para assinalar que, apesar de quatro vezes superior ao orçamento militar chinês e dez vezes superior ao russo, o investimento americano de 716 mil milhões de dólares pode não garantir presentemente uma dominação que dava a Washington a ponte de controle na configuração geoestratégica mundial.
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