Sauditas estão a prender mais dissidentes sem resposta dos EUA

por Cristina Sambado - RTP
Bandar Algaloud - Cortesia do Reino Saudita - Reuters

A organização Grant Liberty afirma que a falta de sanções dos Estados Unidos ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita está a levar a sentenças mais duras aos críticos do reino, avança o diário britânico The Guardian.

A organização de defesa dos Direitos Humanos, com sede no Reino Unido, referiu que, em abril, foram aplicadas o dobro de sentenças severas a prisioneiros da Arábia Saudita quando comparado com os primeiros três meses do ano.

A Grant Liberty fala num fracasso do Governo de Joe Biden em impor sanções ao príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.

A 26 de fevereiro os Estados Unidos publicaram um relatório dos serviços de inteligência que revelava que Mohammed bin Salman tinha “aprovado uma operação em Istambul, na Turquia, para capturar o jornalista saudita Jamal Khashoggi”. Jamal Khashoggi, jornalista saudita de 59 anos que residia nos Estados Unidos, era um forte crítico da família real do país de origem. A 2 de outubro de 2018 entrou no Consulado saudita em Istambul para recolher documentos necessários ao seu futuro casamento e nunca mais foi visto.

Segundo a organização, nas semanas seguintes à decisão dos EUA, a repressão contra os prisioneiros políticos na Arábia Saudita aumentou.

A Grant Liberty alega que há uma ligação direta com o fracasso norte-americano a impor sanções ao príncipe herdeiro e ao seu ciclo mais próximo de conselheiros e assessores e acrescenta que a decisão dos EUA “deu às autoridades sauditas carta-branca para punir severamente os críticos”.

“As notícias do sistema legal saudita podem ser notoriamente lentas, mas pelo menos oito pessoas sofreram duras sentenças em abril – o dobro dos primeiros três meses do ano juntos”, avança a organização a The Guardian.

No final de fevereiro, a Administração Biden anunciou a “proibição Khashoggi”, negando vistos a 76 sauditas que “poderiam ter estado envolvidos em ameaças a dissidentes no exterior, incluindo, mas não se limitando ao assassinato de Jamal Khashoggi”.

Para a organização essas medidas não chegam, porque falta impor sanções a Mohammed bin Salman e aos seus conselheiros, e pouco fazem para dissuadir as autoridades sauditas a atacar os críticos.

“A comunidade internacional deve demonstrar que a única maneira da Arábia Saudita melhorar a sua posição é através de uma reforma genuína. Isso significa que necessitamos da ação dura do candidato [presidencial] de que Biden falou, não da fraqueza que o Presidente Biden mostrou até agora”
, afirmou Lacy Era, da Grant Liberty, ao jornal britânico.

Abdulrahman al-Sadhan, um trabalhador humanitário que foi um dos oito homens condenados em abril, recebeu uma pena de 20 anos de prisão e está proibido de viajar também durante 20 anos por administrar uma conta cómica num órgão de comunicação social local. Já Abdulaziz Alaoudh al-Odah, que foi detido em setembro de 2020 pelas suas atividades nas redes sociais, foi condenado a cinco anos de prisão.

Abdullah Alaoudh, filho do clérigo preso Salman al-Odah, ativista pró-democracia do centro de estudos Democracia para o Mundo Árabe Agora, afirmou que a escolha dos EUA de publicar o relatório auxiliou na prestação de contas, mas pouco mais do que isso. “Ajudou muito na transparência e ajudou a saber onde estava a responsabilidade, mas faltou responsabilidade, e isso é que estava em jogo desde o início”, afirmou.

“A Administração de Biden sabia isso”, acrescentou Alaoudh. “Os EUA manobraram, queriam algo leve como a ‘proibição Khashoggi’ e fizeram o gesto simbólico de falar não falar com o príncipe herdeiro, mas sim com o rei. O que o príncipe herdeiro retirou de tudo isso é que o que Biden disse durante a campanha presidencial foi apenas conversa de campanha e, portanto, não vão agir”.

Alaoudh considera que apesar do príncipe herdeiro estar disposto a mudar questões de política externa, vê a liberdade de expressão como uma ameaça direta.

“Pode dar-se bem com todos – Qatar, Turquia e Irão – mas não com o seu próprio povo, porque isso significa partilhar a tomada de decisões o que para eles é muito perigoso. Concordar com algum tipo de participação política ou divisão de poder é o fim da monarquia absoluta”, rematou Alaoudh.

Há 22 prisioneiros de consciência que foram condenados por comentários relacionados ao antigo bloqueio ao reino do Qatar.

As relações entre a Arábia Saudita com o minúsculo Estado do Golfo estão a aquecer. O emir do Qatar, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani, está na cidade saudita de Jeddah para se encontrar com o príncipe herdeiro, após uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, o príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, ter visitado o Qatar.

Um porta-voz do Departamento de Estados dos EUA afirmou: “O compromisso dos Estados Unidos com os valores democráticos e os direitos humanos é uma prioridade, principalmente os nossos parceiros. Continuamos a elevar o respeito pelos direitos humanos nas nossas relações bilaterais com a Arábia Saudita. Como temos deixado claro, várias vezes, o ativismo pacífico para promover os direitos humanos não é um crime”.
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