Saviano ao ministro do Interior italiano: “Achas que tenho medo de ti? Palhaço!”

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Alessandro Bianchi, Reuters

“Vivo com protecção policial desde os 26 anos. Estou sob a terrível ameaça do clã Casalesi [Camorra], dos narcos mexicanos. Acreditas que devo ter medo de ti? Palhaço”. O escritor e jornalista italiano Roberto Saviano, autor do livro “Camorra” sobre a organização napolitana, respondeu desta forma ao ministro italiano do Interior, Matteo Salvini, que ameaçou retirar-lhe a protecção policial após críticas que fizera sobre a crise do "Aquarius".

Esta quinta-feira, o ministro do Interior e líder da Liga [Norte], Matteo Salvini, ameaçou reiteradamente com a necessidade de reavaliar o regime especial concedido a Roberto Saviano, que vive com protecção policial há mais de uma década. Em duas entrevistas na rádio e na televisão, brincando com o facto de o jornalista que revelou os meandros da “máfia” napolitana passar muito tempo no estrangeiro, Salvini sugeriu que fosse avaliado se Saviano “ainda corre algum risco” e se esta é a melhor forma de gastar o dinheiro dos contribuintes italianos.

Roberto Saviano tem sido um crítico feroz das políticas nacionalistas anti-imigração e de extrema-direita quer do partido Liga (anteriormente designado Liga Norte), quer do executivo em que Salvini desempenha as funções de ministro do Interior e de vice-primeiro-ministro.

No francês Le Monde, o ministro italiano é acusado por Saviano de elogiar as políticas do seu antecessor no Ministério do Interior, Marco Minniti, do partido Democrata, deixando a ideia de que era para prosseguir a linha anti-imigração e dos acordos com países da outra margem do Mediterrânio no sentido de impedir o fluxo migratório.

Em plena crise do Aquarius, o navio que tem como missão resgatar refugiados à deriva no Mediterrânio, o jornalista escreveu também para o britânico The Guardian um artigo criticando fortemente a decisão do Governo italiano de fechar os portos italianos ao barco que recolhera 629 pessoas que tentavam chegar à Europa, entre as quais muitas crianças, bebés e um recém-nascido.

As palavras não caíram bem no executivo italiano, levando à ameaça de Matteo Salvini, que Saviano acusa agora de usar “palavras de mafioso”.

“Viver sob escolta é uma tragédia e a Itália é o país ocidental com mais jornalistas sob escolta porque tem as organizações criminosas mais poderosas e perigosas do mundo. No entanto, apesar disso, em vez de libertar dos riscos os jornalistas sob protecção, Matteo Salvino, ministro do Interior, ameaça-os. As palavras pesam, e as palavras do ministro do submundo, eleito em Rosarno (na Calábria) com os votos de quem morre pela 'Ndrangheta' [máfia calabresa], são palavras de mafioso. As máfias estão a ameaçar. Salvini ameaça”, acusa Roberto Saviano numa resposta gravada e colocada na sua página de Facebook.



Na resposta, o jornalista rejeita ainda o argumento usado pelo governante relativamente ao alegado mau uso dos dinheiros dos italianos e estabelece uma ligação entre os cofres do partido Liga com financiamentos da máfia napolitana, em particular um esquema envolvendo 50 milhões de euros por altura das eleições.

“Matteo Salvini procura constantemente uma distracção e ataca os migrantes, os ciganos e depois ataca-me a mim porque é chefe de um partido de ladrões: quase 50 milhões de euros de reembolsos eleitorais roubados. Ele fala de tudo e implica com toda a gente para que as pessoas não saibam que o seu partido roubou ao Estado [italiano] milhões e milhões de euros. Apela à raiva de pessoas inocentes que não sabem que os primeiros alvos dessas falcatruas são elas próprias”, pode ler-se no texto com que Saviano faz acompanhar o vídeo.

Deixando ainda suspeitas sobre alegadas ligações e financiamentos da Liga por famílias da Ndrangheta, a máfia calabresa, o jornalista desafia Salvini a devolver o dinheiro ao Estado para que possa depois falar do dinheiro dos italianos.

“O ministro do submundo, ao nomear-me como o seu alvo, devolve-me ao meu lugar. Salvini escolheu os seus inimigos: os italianos do Sul, italianos dos quais não se ocupa e de quem nunca se ocupará, os estrangeiros que vivem e trabalham na Itália, as meninas e meninos nascidos na Itália de pais estrangeiros, meninos que falam italiano (…) E entre os italianos esquecidos pela política e pelas instituições, entre os estrangeiros apontados como alvos para atacar, estou eu”, lança Roberto Saviano num repto ao ministro do Interior.
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