“Vivo com protecção policial desde os 26 anos. Estou sob a terrível ameaça do clã Casalesi [Camorra], dos narcos mexicanos. Acreditas que devo ter medo de ti? Palhaço”. O escritor e jornalista italiano Roberto Saviano, autor do livro “Camorra” sobre a organização napolitana, respondeu desta forma ao ministro italiano do Interior, Matteo Salvini, que ameaçou retirar-lhe a protecção policial após críticas que fizera sobre a crise do "Aquarius".
Roberto Saviano tem sido um crítico feroz das políticas nacionalistas anti-imigração e de extrema-direita quer do partido Liga (anteriormente designado Liga Norte), quer do executivo em que Salvini desempenha as funções de ministro do Interior e de vice-primeiro-ministro.
No francês Le Monde, o ministro italiano é acusado por Saviano de elogiar as políticas do
seu antecessor no Ministério do Interior, Marco Minniti, do partido
Democrata, deixando a ideia de que era para prosseguir a linha
anti-imigração e dos acordos com países da outra margem do Mediterrânio no sentido de impedir o fluxo migratório.
Em plena crise do Aquarius, o navio que tem como missão resgatar refugiados à deriva no Mediterrânio, o jornalista escreveu também para o britânico The Guardian um artigo criticando fortemente a decisão do Governo italiano de fechar os portos italianos ao barco que recolhera 629 pessoas que tentavam chegar à Europa, entre as quais muitas crianças, bebés e um recém-nascido.
As palavras não caíram bem no executivo italiano, levando à ameaça de Matteo Salvini, que Saviano acusa agora de usar “palavras de mafioso”.
“Viver sob escolta é uma tragédia e a Itália é o país ocidental com mais jornalistas sob escolta porque tem as organizações criminosas mais poderosas e perigosas do mundo. No entanto, apesar disso, em vez de libertar dos riscos os jornalistas sob protecção, Matteo Salvino, ministro do Interior, ameaça-os. As palavras pesam, e as palavras do ministro do submundo, eleito em Rosarno (na Calábria) com os votos de quem morre pela 'Ndrangheta' [máfia calabresa], são palavras de mafioso. As máfias estão a ameaçar. Salvini ameaça”, acusa Roberto Saviano numa resposta gravada e colocada na sua página de Facebook.
“Matteo Salvini procura constantemente uma distracção e ataca os migrantes, os ciganos e depois ataca-me a mim porque é chefe de um partido de ladrões: quase 50 milhões de euros de reembolsos eleitorais roubados. Ele fala de tudo e implica com toda a gente para que as pessoas não saibam que o seu partido roubou ao Estado [italiano] milhões e milhões de euros. Apela à raiva de pessoas inocentes que não sabem que os primeiros alvos dessas falcatruas são elas próprias”, pode ler-se no texto com que Saviano faz acompanhar o vídeo.
Deixando ainda suspeitas sobre alegadas ligações e financiamentos da Liga por famílias da Ndrangheta, a máfia calabresa, o jornalista desafia Salvini a devolver o dinheiro ao Estado para que possa depois falar do dinheiro dos italianos.
“O ministro do submundo, ao nomear-me como o seu alvo, devolve-me ao meu lugar. Salvini escolheu os seus inimigos: os italianos do Sul, italianos dos quais não se ocupa e de quem nunca se ocupará, os estrangeiros que vivem e trabalham na Itália, as meninas e meninos nascidos na Itália de pais estrangeiros, meninos que falam italiano (…) E entre os italianos esquecidos pela política e pelas instituições, entre os estrangeiros apontados como alvos para atacar, estou eu”, lança Roberto Saviano num repto ao ministro do Interior.