Golpe no Sudão. Militares dissolvem Governo e conselho de transição

por Andreia Martins - RTP
General Abdel Fattah al-Burhan na tomada de posse como presidente do Conselho Soberano de transição, em agosto de 2019. EPA

O presidente do Conselho Soberano, Abdel Fattah al-Burhan, anunciou esta segunda-feira a dissolução do Governo e do próprio conselho de transição a que preside. Tendo em conta as tensões crescentes entre as alas civil e militar no país, o general declarou também o estado de emergência. De acordo com o Executivo deposto, o primeiro-ministro Abdullah Hamdok e a esposa foram "raptados" por uma unidade militar e continuam em paradeiro desconhecido.

De recordar que o Conselho Soberano tomou posse há dois anos, em agosto de 2019, após a deposição de Omar Hassan al-Bashir, ditador que esteve no poder durante três décadas. Este órgão temporário - agora dissolvido - era composto por membros civis e militares e tinha como objetivo conduzir o país durante a transição democrática até à realização de eleições.

Esta segunda-feira, os militares detiveram grande parte dos membros do Governo sudanês, incluindo o primeiro-ministro Abdallah Hamdok, que foi transferido para um "local desconhecido" depois de se ter recusado a emitir uma declaração de apoio ao golpe de Estado.

A informação foi avançada às primeiras horas de segunda-feira pelo Ministério sudanês da Informação, que aparenta estar ainda afeto às ordens do primeiro-ministro destituído.

O responsável máximo pelo Conselho Soberano de transição - órgão que foi também dissolvido - declarou o estado de emergência em todo o país. Garante, no entanto, que o Sudão continua vinculado aos acordos internacionais firmados e que o processo de transição democrática irá continuar.

Na declaração, Burhan salientou que o "acordo equilibrado" entre civis e militares se transformou numa "luta entre parceiros de transição", luta essa que "ameaça a paz e segurança" do Sudão. O general argumentou ainda que a "luta partidária e a ambição política" de vários elementos no poder, bem como o "incitamento à violência", forçaram o Exérito a reagir. 

Por isso, os militares devem agora ser chamados a garantir a estabilidade. Será nomeado um novo Governo "independente" e "competente" até à realização de eleições, previstas para "julho de 2023".Pelo menos 12 feridos nos protestos

A declaração do general Abdel Fattah al-Burhan esta segunda-feira foi transmitida pela televisão estatal sudanesa nas instalações em Omdurman, ocupadas pelos militares desde as primeiras horas manhã.

Em reação às declarações dos militares, o Ministério da Informação do anterior Governo adianta que está em curso um "golpe militar" no país e apela ao protesto do povo "através de todos os meios pacíficos possíveis". Refere ainda que o Exército está a disparar contra os manifestantes que se aproximaram das instalações do quartel-general do Exército em Cartum.

O Executivo sudanês deposto, através do Ministério da Informação, acusa os militares de terem disparado "munições reais" contra manifestantes e adianta que pelo menos 12 pessoas ficaram feridas.
Paula Martinho da Silva - RTP

De acordo com o gabinete de Abdullah Hamdok, o primeiro-ministro e a esposa estão em paradeiro desconhecido. "A liderança militar do Estado sudanês tem plena responsabilidade pela vida e segurança do primeiro-ministro Abdullah Hamdok e da sua família. Estes líderes são responsáveis pelas consequências criminais, legais e políticas das decisões unilaterais que tomaram", lê-se ainda na declaração, citada pela agência France Presse.

Abdullah Hamdok foram "raptados na segunda-feira de manhã, cedo, da sua residência de Cartum e levados para um local desconhecido por uma unidade militar".
Apelos e condenações

Na sequência dos eventos recentes no Sudão, várias organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas e a Liga Árabe, condenaram a tentativa de golpe de Estado e apelaram ao retomar do anterior processo de transição.

Volker Perthes, representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para o Sudão, afirmou esta segunda-feira que está "profundamente preocupado" com os relatos de tentativas de golpe de Estado.

"As detenções que foram reportadas, do primeiro-ministro, responsáveis de Governo e políticos, são inaceitáveis", acrescentou em comunicado divulgado no Twitter.

O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Abulgueit, expressou "profunda preocupação" da organização e exortou as partes a respeitarem o documento constitucional assinado em agosto de 2019 por militares e civis.

Uma das primeiras reações foi também a do Presidente francês. Emmanuel Macron condenou a "tentativa de golpe" no Sudão e apelou à libertação imediata do primeiro-ministro do país. 

Também a Alemanha condenou as iniciativas em curso, pedindo a manutenção de uma "transição política pacífica para a democracia".

Na declaração, assinada pleo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Heiko Hass, apela-se ainda ao "diálogo" entre os responsáveis políticos.

Já a Embaixada dos Estados Unidos em Cartum deu conta da primeira reação de Washington a estes eventos e pediu o fim da "disrupção". Os diplomatas norte-americanos instam os militares para que permitam a continuação do trabalho em curso por parte do Governo civil de transição.

Jeffrey Feltman, enviado especial dos EUA para o Corno de África, passou pelo Sudão nos últimos dias, numa visita que decorreu entre sábado e domingo. Através do Twitter do Departamento de Estado dedicado a Assuntos Africanos, Feltman diz-se "profundamente alarmado" e considera que as ações dos militares são "totalmente inaceitáveis".

Por sua vez, a União Europeia assumiu-se "muito preocupada" com as notícias vindas do Sudão e apelou à libertação imediata dos dirigentes civis.

No Twitter, o alto representante da UE para a Política Externa, Joseph Borrell, apelou "a todas as partes e parceiros regionais para que voltem a colocar o processo de transição no bom caminho".

Em Bruxelas, na conferência de imprensa diária da Comissão Europeia, a porta-voz Nabila Massrali reforçou o apelo dos 27. A UE pede ainda o reestabelecimento imediato de das comunicações no país e a libertação do primeiro-ministro e dos vários membros do Governo detidos. 
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