Tribunal sul-africano considera ilegal arrendamento de terras zulu

por Lusa

Um tribunal sul-africano declarou hoje que o Fundo Ingonyama do monarca amaZulu agiu ilegalmente ao arrendar o acesso à terra aos seus "verdadeiros proprietários" nos termos do direito consuetudinário Zulu.

O tribunal superior de Pietermaritzburg, capital da província do KwaZulu-Natal, litoral do país, decidiu que o Fundo Ingonyama "agiu de forma ilegal e contrária à Constituição", ao impedir a ocupação da terra de acordo com a legislação tradicional, anunciou o juiz Isaac Madondo, com a concordância de um coletivo de juízes.

O tribunal considerou que "todos os arrendamentos" são atualmente "inválidos", salientando que a ministra do Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária, Thoko Didiza, "violou os seus deveres", acrescentando que "deve restabelecer a legislação tradicional".

O caso foi apresentado na Justiça sul-africana pelo Conselho para o Avanço da Constituição da África do Sul (CASAC, na sigla em inglês), representando o Movimento das Mulheres Rurais e várias pessoas que se afirmaram "pessoalmente afetados".

"É um julgamento pioneiro para as pessoas que ocupam terras em áreas rurais em toda a África do Sul", declarou Lawson Naidoo, membro do CASAC, em declarações ao canal privado ENCA.

"Este requerimento abordava especificamente o Fundo Ingonyama e aquela terra que está sob a sua custódia, mas é um julgamento de longo alcance que afirma os direitos do direito consuetudinário à terra que as pessoas desfrutam na África do Sul e a responsabilidade do Estado nos termos da Constituição para garantir que esses direitos sejam formalizados e adequadamente protegidos para que não possam ser diluídos em qualquer medida, como foi feito neste caso particular pelo Fundo Ingonyama que procura converter direitos consuetudinários da terra em arrendamentos de 40 anos", adiantou.

"É um julgamento muito importante que vai afetar muitos milhões de pessoas em todo o país", sublinhou Lawson Naidoo.

O representante do Conselho para o Avanço da Constituição da África do Sul avançou que quaisquer indemnizações a pagar pelo Fundo Ingonyama, criado em 1994 pelo falecido monarca zulu, Goodwill Zwelithini, será na "ordem de milhares".

"De acordo com a prestação de contas do Fundo Ingonyama ao parlamento nos últimos anos, a receita proveniente da coleta de rendas, incluindo terrenos para fins comerciais, era superior a 100 milhões de rands por ano (6 milhões de euros)", sublinhou Lawson Naidoo, estimando que "5,2 milhões de pessoas vivam em terrenos fiduciários no KwaZulu-Natal".

Observadores acreditam que a medida promete comprometer o futuro de terras consideradas tradicionais no país, nomeadamente as dos amaZulu, o maior reino sul-africano, que nomeou em maio um novo monarca, o rei Misuzulu kaZwelithini, para suceder à morte súbita dos seus pais.

O rei Misuzulu, de 46 anos, foi nomeado para ascender ao trono no testamento da sua mãe, a rainha regente Mantfombi Zulu, que morreu no hospital, em 29 de abril, de causas não reveladas.

O seu pai, o rei Goodwill Zwelithini kaBhekuzulu, que morreu em 12 de março, devido a complicações associadas à diabetes e à covid-19, no hospital público Chief Albert Luthuli, em Durban, litoral do país, era o único administrador de cerca de 3 milhões de hectares de terra sob o Fundo Ingonyama, criado em 1994, para salvaguardar "o bem-estar material e social dos membros das tribos e comunidades" que fazem parte de cerca de 11 milhões de pessoas que habitam a província do KwaZulu-Natal, a segunda mais povoada do país.

Em 28 de maio, o príncipe Mangosuthu Buthelezi, primeiro-ministro da nação Zulu, de 92 anos, disse que gostaria de viver para ver honrado o compromisso assumido pelo Presidente Cyril Ramaphosa de que o Governo não iria expropriar as terras sob custódia do Fundo Ingonyama.

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