Ucrânia oficializa criação de igreja ortodoxa sem a tutela de Moscovo

por RTP
O Presidente ucraniano discursa na cerimónia deste sábado na Catedral de Santa Sofia, em Kiev Reuters

O Presidente ucraniano oficializou este sábado a criação de uma nova igreja ortodoxa, independente da tutela russa. É o fim de uma relação de poder com mais de 330 anos e acontece após a recente escalada de tensões junto à península da Crimeia, território disputado por Moscovo e Kiev desde 2014.

Para o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, o dia é "sagrado" ficará na história "como o dia da criação oficial de uma igreja autónoma, independente e unida na Ucrânia".

"Este é dia da nossa efetiva independência da Rússia", declarou o chefe de Estado, perante uma assembleia de bispos ortodoxos ucranianos, em Kiev.

Desde 1686 que as igrejas russa e ucraniana estavam vinculadas uma à outra, com a primeira a exercer jurisdição sobre a última. Agora, na sequência das crescentes tensões políticas entre os dois países ao longo dos últimos anos, separam-se.

Em outubro, o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla - liderado por Bartolomeu, que é considerado o líder máximo entre os ortodoxos - concedeu "independência" à Igreja Ortodoxa Ucraniana ao anular um decreto que vinculava as igrejas de Moscovo e de Kiev aprovado no século XIX.

A decisão polémica levou a Igreja Ortodoxa Russa a romper relações com o Patriarcado de Constantinopla, também em outubro último. Entre termos práticos, a cisão entre as igrejas - ou autocefalia - coloca ao mesmo nível ambas as Igrejas.

Desta forma, os bispos não são obrigados a responder perante superiores na hierarquia e podem tomar decisões que emanam da sua própria autoridade.

Mas a decisão não é consensual, nem sequer entre as entidades clericais ucranianas, sendo que grande parte que permanece próxima de Moscovo. A maioria das paróquias ucranianas proibiu os seus responsáveis de aceitarem esta decisão.
"Perseguição"

Nas últimas semanas, os sacerdotes leais ao Patriarcado de Moscovo denunciaram interrogatórios e investigações em diversas paróquias ucranianas. Acusam Kiev de obrigar os clérigos e fiéis a aderirem à nova formação autónoma em relação a Moscovo. O patriarca ortodoxo russo Kirill escreveu mesmo uma carta ao papa Francisco e às Nações Unidas onde denuncia "casos de perseguição" contra o clero e os ucranianos.

Oficialmente, as autoridades ucranianas - e o próprio Presidente - asseguram que cada paróquia será livre de escolher se pretende ou não juntar-se à nova igreja independente após este "cisma".

Por isso, no sínodo realizado este sábado em Kiev, participaram essencialmente membros do patriarcado da capital ucraniana e da Igreja Autocéfala Ortodoxa da Ucrânia, uma das igrejas ortodoxas daquele país, minoritária e independente da Rússia desde 1920.

Se o Presidente garante que esta decisão serve para garantir a "segurança" e a "independência espiritual" dos ucranianos, muitos olham para esta batalha religiosa como uma medida adotada no âmbito campanha eleitoral de Petro Poroshenko para as eleições presidenciais ucranianas, que se realizam a 31 de março.

A nova cisão, agora também ao nível espiritual, acontece no contexto de uma crise sem precedentes que se adensa desde 2014 entre Kiev e Moscovo, e que se iniciou sobretudo após os protestos na Praça Maidan e a anexação unilateral da Crimeia pela Rússia, resvalando num conflito separatista no leste da Ucrânia que já fez mais de dez mil mortos.

Ainda no final de novembro último, a situação do conflito deteriorou-se ainda mais quando Moscovo intercetou três navios de guerra ucranianos ao largo da península da Crimeia, que afirmam pertencer a território russo, contra o que é o entendimento generalizado da comunidade internacional.

(com agências)
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