União Africana exige investigação sobre morte de migrantes em Melilla

por Andreia Martins - RTP
No domingo, Madrid foi palco de um protesto pela morte de vários migrantes em Melilla. Nacho Doce - Reuters

Pelo menos 23 migrantes morreram e 140 polícias ficaram feridos na última sexta-feira em Melilla. O incidente ocorreu quando um grupo de cerca de 2.000 migrantes tentou entrar no enclave espanhol a partir de Marrocos. A União Africana (UA) denunciou no domingo o “tratamento violento e degradante” dos migrantes africanos e exigiu uma investigação sobre o sucedido.

No Twitter, o presidente da comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, expressou “profundo choque e preocupação com o tratamento violento e degradante dos migrantes africanos que procuram cruzar a fronteira internacional entre Marrocos e Espanha”.

“Exijo uma investigação imediata sobre este caso e relembro a todos os países das suas obrigações, sob o Direito Internacional, de tratar todos os migrantes com dignidade e colocar a sua segurança e os Direitos Humanos em primeiro lugar, ao mesmo tempo que se contém no uso excessivo da força”
, acrescentou o responsável.


Na sexta-feira, pelo menos 23 migrantes morreram a tentar chegar a Melilla. Nunca tantos migrantes tinham morrido numa única tentativa, mas o número de vítimas mortais poderá ser ainda superior.

A edição desta segunda-feira do jornal El País conta que, no domingo, vários trabalhadores escavaram um local para 21 sepulturas em espaço aberto no cemitério de Nador, em Sidi Salem.

“Só temos dois buracos para escavar. Começamos no sábado e vamos terminar esta tarde”, afirmou um trabalhador sob anonimato, que adiantou ainda que os funerais devem ocorrer esta segunda-feira.

As autoridades marroquinas confirmam a morte de 23 migrantes, mas várias organizações civis dão conta de um número muito superior. Helena Maleno Garzon, responsável pela organização não-governamental Walking Borders, adianta que pelo menos 37 pessoas morreram.


No sábado, várias organizações não-governamentais divulgaram uma declaração conjunta em que exigem uma investigação sobre o tratamento dos migrantes na tentativa de atravessar a fronteira. A Associação Marroquina para os Direitos Humanos (AMDH) pediu especificamente que os enterros não ocorressem sem uma investigação e a restituição das vítimas mortais aos respetivos familiares.

"Exigimos o fim das políticas criminais financiadas pela União Europeia e os seus vários cúmplices", lê-se no documento. "Apelamos às representações diplomáticas dos países africanos, presentes emMarrocos, para que assumam plenamente as suas responsabilidades", acrescentam ainda.


Cimeira da NATO em Madrid
Em Espanha, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, apenas aplaudiu a colaboração entre as autoridades espanholas e marroquinas na fronteira, considerando que a tentativa massiva de atravessar a fronteira foi “bem resolvida”.

No sábado, Sánchez culpou as máfias que traficam seres humanos pelo “assalto violento contra a integridade territorial de Espanha”.

Os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla são as únicas fronteiras terrestres da União Europeia com o continente africano, neste caso com Marrocos. Ainda que as tentativas para atravessar a fronteira sejam frequentes, esta foi a primeira vez que ocorreu uma grande movimentação desde a normalização das relações diplomáticas entre Madrid e Rabat, em março.

As relações entre Marrocos e Espanha viveram meses de tensão depois da estadia em território espanhol, em abril de 2021, do líder do da Frente Polisário, movimento independentista sarauí que contesta a ocupação por Marrocos do Saara Ocidental.

Em retaliação contra Espanha, Marrocos flexibilizou o controlo de fronteiras do lado marroquino e permitiu a entrada de mais de 10 mil migrantes em Ceuta, em maio de 2021.

Quase um ano volvido sobre esta crise, o primeiro-ministro espanhol reconhecia, em março último, que a proposta para criar um Saara Ocidental autónomo controlado por Rabat era a iniciativa “mais séria, realista e credível” para pôr fim a décadas de disputa pela ex-colónia espanhola.

Numa carta enviada ao rei Mohammed VI, o chefe do Governo espanhol reconhecia a “importância da questão do Saara para Marrocos”.

Para além dos esforços bilaterais com Rabat, Madrid deverá procurar garantir a integridade territorial dos enclaves no continente africano também nos palcos multilaterais.

Segundo o jornal El País, a NATO irá estender pela primeira vez a sua proteção às cidades autónomas de Ceuta e Melilla, garantindo a defesa da “soberania e integridade territorial dos países”.

A Aliança Atlântica deverá aprovar a medida na Cimeira de Madrid, que se realiza esta semana entre terça-feira e quinta-feira.
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