Uso de Supremo britânico contra genocídio de Uigures preocupa Boris Johnson

por Graça Andrade Ramos - RTP
Ativistas pro-democracia de Hong Kong manifestam-se em favor da minoria muçulmana Uigur de Xinjiang, em 2019 Reuters

A proposta é liderada por Ian Smith, um deputado conservador e ex-ministro para o Trabalho e Pensões, e tem apoios transversais, e não só na Câmara Baixa do Parlamento britânico. Pretende abrir o Supremo Tribunal do Reino Unido aos Uigures e a outras minorias que queiram denunciar práticas de genocídio na China, obrigando o Governo de Sua Majestade Britânica a tomar posição.

No momento em que o Governo de Boris Johnson prepara um acordo de relações comerciais, uma emenda à legislação poderá criar um vazio legislativo pós-Brexit, impedindo a aplicação de regras específicas para o comércio entre o Reino Unido e a China.

A proposta de introdução de uma nova clásula aos acordos foi apresentada este fim-de-semana e deverá ser votada - e aprovada - na Câmara dos Lordes nos próximos dias ou semanas, até final de outubro.

Visa impedir a entrada em vigor de quaisquer regulamentos acordados entre Londres e Pequim, caso um juiz do Supremo Tribunal britânico entenda que uma das partes - a China - está a cometer genocídio. A decisão preliminar do juíz só poderia então ser revertida por decisão do Parlamento.

O deputado conservador, Ian Duncan Smith, deverá logo depois apresentar o mesmo texto na Câmara dos Comuns, onde espera ter o apoio de mais de 40 deputados conservadores, o suficiente para fazer passar a moção, à revelia do executivo.
A ser aprovada, a emenda terá provavelmente um forte impacto nas relações entre Londres e Pequim.

Uma vez que o Supremo Tribunal britânico aplica parcialmente a lei no princípio de precedência, de acordo com a tradição judicial do país, o executivo de Boris Johnson receia que juízes e ativistas dos Direitos Humanos possam vir a assumir, por essa via, o poder de lançar o caos nas relações bilaterais sino-britânicas.

O acordo que tem vindo a ser elaborado por Londres visa sobretudo substituir o existente há uma década entre a União Europeia e a China, que irá caducar devido ao Brexit. O executivo de Johnson quer garantir que o Reino Unido continuará a assinar acordos comerciais bilaterais quando se separar da UE.

Na câmara baixa, dos deputados, o debate prevê-se aceso, uma vez que a mesma plataforma de pressão já apresentou emendas paralelas à legislação para o aluguer dos direitos sobre telecomunicações, de forma a impedir empresas ligadas a abusos dos direitos humanos de terem acesso à rede de telecomunicações britânica. A chinesa Huawei seria aqui a principal visada.
Aumentar a pressão
Ao abrigo da proposta de emenda agora em causa, os ativistas passariam também a ter o direito, pela primeira vez, de pedir compensações, através do Supremo Tribunal, em casos de genocídio, em vez de deixar a questão ser resolvida através das Nações Unidas, onde o jogo político muitas vezes joga a favor da impunidade dos genocidas.

A amplitude do apoio à proposta reflete a pressão para o Governo britânico usar os seus argumentos económicos para endurecer as exigências à China em matéria de Direitos Humanos, e surge na esteira da entrada em vigor, há dois meses, da legislação de Segurança Nacional em Hong Kong.No antigo enclave britânico, e à revelia dos acordos firmados com Pequim aquando da transferência de soberania, polícia e tribunais são usados pelo governo local para perseguir ativistas pró-democracia que desafiam o poder de Pequim e as suas leis.

A emenda ao acordo comercial sino-britânico tem o apoio, entre outros, do ativista de Direitos Humanos, David Alton, dos deputados Liberais Democratas e de um antigo chefe de gabinete de Tony Blair, Andrew Adonis

Dois antigos ministros do Partido Conservador, Sayeeda Warsi e Michael Forsyth, agora membros da Câmara dos Lordes, também se declararam pela moção.

Na mesma Câmara, os representantes do sistema judicial também a apoiam. Alguns juízes sentem-se defraudados por Pequim, depois de terem garantido aos seus pares, o ano passado, que a presença de juízes britânicos nos tribunais de Hong Kong iria travar as imposições comunistas. Estes juízes foram entretanto proibidos por Pequim de julgar casos de alegada ameaça à segurança nacional no enclave.

Duncan Smith assume que pressionar o Governo britânico a tomar posição é o objetivo exato da proposta.


"O Governo ainda não se assumiu perante os Direitos Humanos na China. Se um país africano estivesse a fazer o que a China está a fazer, os ministros estariam em cima disso, mas devido ao tamanho e à influência da China nas Nações Unidas, fogem. Já é tempo de nos opormos aos abusos que se passam na China", reclamou o deputado conservador.
Genocídio dos Uigures
O Governo comunista chinês tem sido particularmente acusado de perseguir a comunidade Uigure, uma minoria muçulmana da província autónoma de Xinjiang, através de centenas de campos de reeducação, de esterilizações forçadas, de escravização laboral e da destruição de mesquitas e de lugares santos uigures. Até mesmo a música e a dieta uigures estarão a ser reconvertidos à imagem requerida.

Pequim nega todas as acusações, apesar do avolumar de provas contra si. A semana passada refutou alegações de uma organização australiana, de acordo com a qual terão sido destruídas "milhares de mesquitas" em Xinjiang, com base na comparação entre imagens satélite da região, atuais com outras de 2017.Existem na província mais de 24.000 mesquitas, "mais mesquitas per capita do que em muitos países muçulmanos", reagiu o executivo chinês.

Sábado passado, a agência de notícias estatal Xinhua, citou o Presidente chinês, Xi Jinping, para quem "os níveis de felicidade entre os grupos étnicos de Xinjiang estão a subir" e revelou que a China planeia prosseguir com a educação dos seus residentes quanto a uma visão "correcta" da China.

No Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, os representantes britânicos têm endurecido o tom face à China, devido à situação em Xinjiang. A semana passada, um novo relatório revelou que o país construiu quase 400 campos de reeducação para Uigures.

O ministro britânico para os Direitos Humanos, Lord Ahmad, apelou sexta-feira ao acesso livre de observadores a Xinjiang, e referiu a existência de "provas irrefutáveis incluindo de documentos do próprio Governo chinês, de graves violações dos Direitos Humanos", naquela província autónoma.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido afirmou já que cabe às instâncias internacionais, como os tribunais criminais internacionais, pronunciarem-se sobre a prática de genocídio. Os críticos dizem que o uso de veto pelas maiores potências do Conselho de Segurança da ONU, significa que levar a questão a estes tribunais é, na prática, impossível.
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