O anúncio foi feito pelo Presidente Nicolás Maduro: a Venezuela e a China assinaram esta terça-feira em Caracas 22 acordos nas áreas da Energia, Finanças, Comércio, Ciência, Tecnologia e Cultura, superiores a 2.545 milhões de euros. Resta saber que parte destes montantes irão realmente beneficiar a maioria do povo venezuelano, a quem falta quase tudo e onde uma epidemia de difteria está a dar os primeiros passos. A aproximação da Venezuela à China contrasta ainda com a recusa de Maduro em aceitar ajuda humanitária do Brasil.
Maduro invocou a existência entre a China e a Venezuela de "uma associação estratégica de desenvolvimento integral que abarca todas as dimensões do desenvolvimento económico".
Apesar do embrulho, o grande negócio da China é o petróleo venezuelano.
Os convénios desta terça-feira abrem caminho a um projeto conjunto entre os grupos estatais Petróleos de Venezuela e Corporação Nacional de Petróleo da China que vai tornar possível a construção de "uma refinaria grande e moderna", na China.
"Todo o petróleo que a China necessita está no território venezuelano", afirmou Nicolás Maduro.
Ajuda humanitária à porta
A celebração do Presidente com estes acordos contrasta com a recusa, no início do mês, de ajuda em alimentos e medicamentos oferecida pelo Brasil. A revelação foi feita pelo próprio Presidente brasileiro, Michel Temer, numa carta enviada ao presidente do Parlamento venezuelano divulgada pela imprensa no final da semana passada.
"Reafirmo que é com especial preocupação que acompanhamos a situação na Venezuela. Já oferecemos ajuda humanitária, em particular inclusive pela doação de medicamentos. Infelizmente a oferta não foi aceite", afirmou Temer.
Na carta, o Presidente do Brasil garante que o povo brasileiro continua "na disposição de contribuir, na medida do possível, no mais absoluto respeito pela soberania da Venezuela".
De acordo com os jornais de Caracas, o executivo venezuelano invoca questões de soberania nacional para dificultar a entrada no país de medicamentos recolhidos em diversos países e enviados ao cuidado da Cáritas.
Saúde em colapso
Fontes da Associação Farmacêutica Venezuelana dão conta de que a escassez de medicamentos ronda os 85 por cento. Os médicos estão a preparar-se para a explosão de casos de malária, pneumonia e tuberculose. A difteria, erradicada nos anos 90 do século XX, já está de regresso.
De acordo com números enviados secretamente ao ex-ministro da Saúde José Felix Oletta e vistos pela agência Reuters, o índice de vacinação com a vacina pentalevent, que imuniza crianças contra cinco infeções, incluindo a difteria, baixou para 78 por cento.
"A este ritmo, vamos ver mais doenças, mais mortes, mais médicos a abandonar o país", disse à Reuters o pediatra Hugo Lezama, presidente da associação de médicos de Bolívar. "Aqueles que ficam estão a ficar histéricos a tentar fazer milagres para que os nossos pacientes sobrevivam", afirma.
A crise agrava-se devido a sistema imunitários enfraquecidos, ao colapso do sistema de saúde e ao secretismo com que o Governo envolve toda a questão.
Guerra do pão
No Parlamento venezuelano, a oposição ao Governo de Maduro é maioritária e denuncia um quadro de emergência humanitária com queixas cada vez mais frequentes da população sobre a falta de produtos básicos.
Apesar de reconhecer as falhas, o Executivo venezuelano aponta do dedo a máfias e a boicotes aos programas de ajuda do Governo.
Ainda no domingo, por exemplo, Nicolás Maduro prometeu ganhar a "guerra do pão" e acabar com as filas de horas junto às padarias. Na sua alocução semanal, o Presidente apontou o dedo à "federação dos padeiros de Caracas" que "declarou guerra ao povo".
"Já estamos há meses nisto", disse Maduro.
O Presidente anunciou a intenção de abrir dez mil padarias artesanais em todo o país com a ajuda dos chamados 'comités locais de abastecimento e produção', um programa governamental para entregar alimentos com preços mais baixos.
Os padeiros invocam dificuldades em obter matéria primas devido aos controles do Estado no acesso a divisas para importação. Já o Executivo garante que está a chegar farinha suficiente e denuncia boicotes.
O regresso da difteria
O Governo tem mais dificuldade em explicar o aumento de casos de difteria no país. Tenta por isso esconder o problema.
A bactéria da difteria, que causa a inflamação grave das vias respiratórias superiores, fechando-as até ao sufoco, ressurgiu em 2016, provavelmente nas minas de ouro ilegais do estado de Bolivar, que atraem milhares de venezuelanos como forma de trocar as voltas à pobreza crescente.
Ao regressar a casa, os mineiros espalham a bactéria pelas suas famílias, enfraquecidas pela escassez de alimentos (poucas conseguem fazer três refeições diárias) pela higiene fraca, devido ao colapso das redes sanitárias e à escassez de produtos de higiene, e à inflação galopante.
Morreram pelo menos duas crianças o ano passado e os casos de difteria começam a aparecer em meia dúzia de outros estados, incluindo Caracas, afirmam associações médicas. Muitos que chegam aos hospitais são mal diagnosticados e, quando a doença é finalmente identificada, os medicamentos necessários são insuficientes.
"O fato de as pessoas não saberem ajuda a espalhar a bactéria", afirmou o epidemiologista Juilo Castro, que tem vindo a acompanhar os casos.
Em outubro, Nicolás Maduro afirmou que não havia provas de casos de difteria e deixou avisos a quem procura espalhar "o pânico". Desde então o Executivo informou a Organização Mundial de Saúde da ocorrência de 20 casos confirmados e de cinco mortes.
c/ agências