Veto russo dita fim de missão de investigação às armas químicas na Síria

por Graça Andrade Ramos - RTP
A Rússia, aliada de Damasco, vetou o prolongamento da missão conjunta da ONU e da Organização para a Proibição de Armas Químicas que investigou o uso deste armamento na Síria Lucas Jackson - Reuters

A Rússia vetou esta quinta-feira um projeto de resolução apresentado pelos Estados Unidos que previa o prolongamento por um ano do mandato de especialistas internacionais que investigam a utilização de armas químicas no conflito sírio.

Foi o 10.º veto da Rússia sobre decisões do Conselho de Segurança relativamente à Síria, desde o início da guerra em 2011.

O mandato da missão conjunta da ONU e da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), denominada JIM - Joint Investigative Mechanism -, tem fim marcado para as 0h00 em Nova Iorque (5h00 em Lisboa).

De acordo com alguns diplomatas, apesar do veto russo existe uma hipótese de prolongamento técnico do mandato, algo que já sucedeu noutras ocasiões.Para ser adotada pelo Conselho de Segurança, uma resolução necessita de nove votos a favor e nenhum veto dos membros permanentes: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França ou China.

Foram estes investigadores que concluíram pela responsabilidade de Damasco num ataque com gás sarin a 4 de abril deste ano.

O Governo de Bashar al-Assad, que é apoiado por Moscovo, negou a acusação. Damasco afirmou na altura que o bombardeamento atingiu armas químicas armazenadas pelos rebeldes armados que se lhe opõem.

Mesmo antes da votação e após um debate processual tenso entre os embaixadores russo e norte-americano no seio do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia retirou o seu próprio projeto de resolução sobre a JIM, em que o único ponto de acordo com os Estados Unidos era o prolongamento da missão por um ano.

O texto russo pedia uma revisão da missão da JIM e o congelamento do relatório mais recente sobre o ataque de abril. Washington opunha-se e, com o apoio dos europeus, reivindicava por sua vez sanções contra os responsáveis pela utilização de armas químicas na Síria.

Cerca de uma hora antes da votação, o Presidente norte-americano, Donald Trump, pronunciou-se sobre o assunto através do Twitter.


"É necessário que todo o Conselho de Segurança da ONU vote pela renovação" do mandato da JIM e faça "com que o regime de Assad não possa nunca mais cometer assassínios em massa com armas químicas", declarava Trump.

Alguns analistas acreditam que esta decisão sobre o JIM pode pôr em causa todo o regime de não proliferação estabelecido pelas Nações Unidas para proibir em todo o mundo o recurso às armas químicas.

A resolução americana obteve 11 votos a favor, dois contra da Rússia e da Bolívia e duas abstenções, da China e do Egito. O voto contra russo equivale a um veto.
JIM desde 2015
Sergei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, acusou os Estados Unidos de quererem fazer da JIM "um instrumento obediente à manipulação da opinião pública", considerado-o "totalmente inaceitável". "A resolução norte-americana não tem nenhuma possibilidade de ser adotada", acrescentou.

"A JIM não é um instrumento do Ocidente", respondeu o embaixador de França na ONU, François Delattre. A JIM "é o nosso melhor meio de combater o recurso as armas químicas na Síria" e o seu desaparecimento "seria um enorme revés estratégico para os fundamentos da nossa segurança e para o futuro do regime de não proliferação", avisou.

Há várias semanas que o prolongamento do mandato da JIM estava no centro de um braço-de-ferro entre Washington e Moscovo, divididos pelo relatório condenatório de Damasco.

Em fins de outubro concordaram que um avião bombardeiro do regime sírio tinha estado envolvido no ataque de 4 de abril a Khan Cheikoun, que fez 80 mortos. As vítimas apresentavam traços de envenenamento por gás sarin.

Algumas testemunhas afirmaram ter visto um fumo espalhar-se a partir dos locais onde tinham caído as bombas lançadas por um avião sírio, imediatamente após a explosão.

A Rússia, tal como Damasco, defende que o ataque na verdade resultou da explosão no solo de uma granada de morteiro numa zona controlada pelos rebeldes e jihadistas. Denunciou sempre as conclusões do relatório da JIM, dirigida pelo guatemalteco Edmond Mulet.

A JIM foi criada em 2015 por iniciativa americano-russa e estuda dezenas de alegados ataques químicos (com gás sarin e cloro). Desde 2013, após um acordo entre os EUA e a Rússia, que as armas químicas são proibidas na Síria. Damasco afirma que entregou todo o seu arsenal químico que foi transportado por mar.

De acordo com o OPAQ, contudo, há ainda três complexos químicos no país. Em dois anos, a JIM concluiu que as forças sírias, além de Khan Cheikoun, eram responsáveis de ataques com cloro em três aldeias em 2014 e 2015, sendo o grupo islamita Estado Islâmico acusado de usar gás mostarda em 2015.
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