Zimbabué escolhe o primeiro Presidente da era pós-Mugabe

por Andreia Martins - RTP
Eleitores em Harare fazem fila para votar nas eleições gerais do Zimbabué, que se realizam esta segunda-feira Siphiwe Sibeko - Reuters

Oito meses após a demissão de Robert Mugabe, os eleitores são chamados às urnas esta segunda-feira para eleger um novo Chefe de Estado. Este será o primeiro escrutínio presidencial sem o nome do antigo Presidente nos boletins de voto, ao fim de quase quatro décadas. Num momento de viragem política em Harare, é esperada uma afluência histórica em que os jovens terão grande impacto, uma vez que mais de 40 por cento dos cinco milhões de eleitores registados têm menos de 35 anos.

É a primeira eleição presidencial no Zimbabué sem a influência direta de Robert Mugabe ao fim de várias décadas. O antigo líder, com 94 anos, foi Chefe de Estado entre 1987 e 2017, tendo ocupado anteriormente o cargo de primeiro-ministro da antiga Rodésia durante sete anos. 

Em novembro do ano passado, Mugabe foi obrigado a demitir-se na sequência de um golpe de Estado liderado pelo Exército e pelo antigo aliado, Emmerson Mnangagwa, perante as desconfianças de que o líder se preparava para entregar a Presidência do país à mulher, Grace Mugabe.  

As previsões e os especialistas apontam para uma disputa muito renhida entre dois candidatos. Um deles é o próprio Emmerson Mnangagwa, líder do ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbabué-Frente Patriótica), que ocupa o cargo de Presidente interino desde novembro e liderou o golpe contra o ex-Presidente.

Antigo aliado de Mugabe, Mnangagwa tem 75 anos e foi diretor dos serviços de informações do Zimbabué. É conhecido no país por “crocodilo” pelo seu caráter discreto mas impiedoso, refere a agência Reuters. 

As urnas abriram às 7h00 locais (5h00 em Portugal Continental) e encerram às 19h00. Estão registados mais de cinco milhões de eleitores. 
Durante a campanha prometeu melhorar a economia, atrair investimento estrangeiro e acabar com das divisões sectárias e raciais. Durante os anos de liderança de Mugabe, e apesar de pertencer à mesma força política, sobreviveu a várias tentativas de assassinato atribuídas a figuras próximas do antigo Presidente.  

Do outro lado está Nelson Chamisa, do Movimento pela Mudança Democrática (MDC na sigla em inglês), o partido histórico de oposição a Robert Mugabe. Escolhido como candidato presidencial após a morte do antigo primeiro-ministro Morgan Tsvangirai, em fevereiro último, Chamisa poderá tornar-se no Presidente mais novo de sempre nas quatro décadas de história do Zimbabué desde a independência.

Com apenas 40 anos, Chamisa atraiu a atenção e o apoio da população mais jovem durante a campanha e os seus apoiantes consideram que representa um voto na mudança e na juventude.

É um sinónimo de esperança para muitos eleitores, mas foi alvo de críticas por algumas propostas e promessas eleitorais extravagantes, tendo por exemplo declarado a intenção de acolher os Jogos Olímpicos.   

Ainda que o seu partido tenha sido autorizado nestas eleições a realizar comícios e eventos de campanha por todo o país, Nelson Chamisa queixa-se de parcialidade e questionou mesmo a independência da Comissão Eleitoral.  

Certo é que para esta eleição, ao contrário do que acontecia na era de isolamento com Mugabe, o Presidente interino permitiu a entrada no país de órgãos de comunicação social estrangeiros, bem como de observadores internacionais da União Europeia, Estados Unidos e da Commonwealth, que estão a ajudar ao controlo das assembleias de voto espalhadas pelo país. Ainda assim, a oposição tem vindo a reportar várias situações irregulares e teme para hoje situações de pressão e intimidação dos eleitores nas zonas rurais mais isoladas.  
“Não posso votar em quem me atormentou”
Esta é a primeira eleição da história do Zimbabué em que o nome Robert Mugabe não surge no boletim de voto. Nas eleições que decorreram desde 1980, aquando da independência da ex-colónia britânica, o antigo primeiro-ministro e chefe de Estado foi acusado de manipulação dos resultados em várias eleições, tendo vencido sempre. 

Independentemente do vencedor, o próximo Presidente terá pela frente a árdua tarefa de recuperar um país em extremo isolamento diplomático internacional há várias décadas, bem como a transformação de uma economia em recessão desde o início do século.  

Os dados e estatísticas no Zimbabué são bastante incertos e pouco fiáveis, mas algumas estimativas sugerem que a taxa de desemprego esteja próxima dos 90 por cento, segundo refere a BBC. Outro tema fraturante das duas campanhas é o das divisões raciais e tribais existentes no país, algumas bastante recentes, que o próximo Presidente terá de resolver.  

No domingo, uma declaração robusta de Robert Mugabe, a mais relevante desde que foi afastado do poder, veio baralhar ainda mais as contas desta eleição incerta. O antigo homem forte em Harare veio declarar o seu apoio inesperado ao candidato da oposição, Nelson Chamisa.  

Em conferência de imprensa, Mugabe recusou-se a apoiar o antigo aliado, Emmerson Mnangagwa, atual líder do partido que representou durante 40 anos, o ZANU-PF.  

“Não posso votar em quem me atormentou. Espero que o voto de amanhã afaste o Governo militar e leve de volta a constitucionalidade”, afirmou o antigo Presidente, considerando ainda que Nelson Chamisa é “o único candidato viável” nesta eleição.  

De recordar que Mnangagwa, antigo aliado do ex-Presidente, foi o grande protagonista da destituição de Mugabe em novembro último, tendo liderado o Exército a partir do estrangeiro no golpe de Estado.  

Na véspera da eleição de hoje, Emmerson Mnangagwa aproveitou os comentários de Mugabe para fazer campanha e acusou o antigo aliado de ter feito um acordo secreto com o candidato da oposição.  

“É óbvio para todos que Chamisa chegou a acordo com Mugabe, não podemos acreditar que ele tem a intenção de transformar o Zimbabué e reconstruir a nossa nação”, considerou o candidato do ZANU-PF.  

Se nenhum dos dois candidatos conseguir mais de metade dos votos, haverá nova eleição a 8 de setembro.
 
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