De que lado queremos estar em 2017?

Este novo ano de 2017 começou com alguns clássicos de início de ano que nos deixam de cabelos em pé e com a certeza de que a bestialidade humana, sendo incontrolável, está mesmo ali ao virar da esquina e que podemos dar de caras com ela de um momento para o outro.

O primeiro de todos foi o atentado terrorista em Istambul, na Turquia, onde um "Lobo Solitário" matou 39 pessoas com uma frieza impressionante. A primeira vítima foi abatida à queima-roupa, ainda à porta da discoteca, a uma distância inferior a dois metros. A inspiração partiu do autoproclamado Estado Islâmico, uma rede de terroristas que se alimenta de gente louca e sem objectivos de vida, liderada por gente inteligente que construiu uma teia de interesses económicos que podiam fazer corar algumas das economias mundiais. O Daesh é uma empresa em primeiro lugar, que usa o terror para conquistar território e a crueldade para subjugar os povos autóctones. Depois faz o que fazem todas as empresas, negócios. Neste caso ilegais e imorais.


Seguiu-se o massacre de Manaus, numa das sobrelotadas prisões brasileiras dominadas por gangues de criminosos sem filtro que provocaram um motim com uma orgia de violência e crueldade que estamos habituados a ver apenas em filmes da idade média que muitas vezes passam a horas impróprias para o universo de espectadores disponível. Houve um pouco de tudo, decapitações, mutilações e corpos queimados. Um ajuste de contas em mais um dos infernos brasileiros, um país onde atrás das grades mandam os criminosos. Divididos em grupos diferentes tentam ganhar o controlo das cadeias e optam pela forma mais fácil, eliminar os adversários. Se não o fizerem podem acabar assassinados pelos próprios comparsas ou pelos grupos que controlam as coisas a partir do exterior, normalmente comandados por homens sanguinários e sem escrúpulos, que tratam a vida com desprezo e a morte por tu.

O padre Américo, na sua bondade cristã e na sua educação católica, e certamente também com alguma dose de propositada inocência e intencional hipocrisia com objectivo redentor, dizia que: "não há rapazes maus". Mas há. Nascemos todos da mesma forma, e muitos de nós até são educados de forma semelhante ao longo dos primeiros anos, mas há um momento em que nos corrompemos e se parte o fio que nos liga à humanidade. E isso pode acontecer ao longo de toda uma vida. 

É difícil perceber qual o momento que desencadeia o desvio, porque as razões são múltiplas e muitas vezes fáceis de esconder, mas como dizia o filósofo e jornalista espanhol, Ortega y Gasset, "o homem é o homem e as suas circunstâncias", e para muitos é difícil fugir a elas e à sua influência nefasta, porque como dizia James Allen: "os homens são ansiosos para melhorarem as suas circunstâncias, mas não estão dispostos a melhorarem-se a si mesmos; eles portanto permanecem atados". 

Ou seja, prisioneiros das circunstâncias os homens optam muitas vezes pela via mais fácil, ou por uma atitude revoltada e pouco sensata perante a vida, transferindo para a dor dos outros a vingança pelas suas próprias dolorosas frustrações.

Em Portugal, felizmente, ainda vivemos num semi paraíso, sem terrorismo, sem massacres, sem assassínios em massa, mas já começamos a conviver com fenómenos que nos deixam assustados e a temer pelo futuro dos nossos filhos. Já temos um suspeito de ser um assassino frio e calculista que terá tido o apoio da família e dos amigos e que parece cativar também alguns desconhecidos. Pedro Dias terá matado duas pessoas com uma frieza impressionante, e pelos vistos já terá tentado matar anteriormente, e andou fugido várias semanas sem que as autoridades lhe conseguissem deitar a mão. Entregou-se quando quis e como quis. 

Há os casos dos maridos que matam as mulheres através de actos de violência doméstica que muitas vezes são tão cruéis que é difícil acreditar. Há ainda os ladrões que matam ou espancam violentamente depois de roubarem ou violarem, tantas vezes pessoas idosas e indefesas. Há ainda os casos crescente de pedofilia. Felizmente, sendo muito graves, parecem ser ainda casos pouco habituais na sociedade portuguesa. Estamos preocupados e assustados, mas não vivemos num inferno permanente como é o caso de outros países, como os casos aqui citados da Turquia ou do Brasil.

Nós, os portugueses médios e comuns mortais, ainda vamos tendo sorte, porque temos de conviver apenas com gente hipócrita, mesquinha e maldosa. Gente pequenina que só cresce quando pisa os outros ou que só pensa no seu quintal sem conseguir olhar para os outros com espírito solidário.

Do mal o menos, que há coisas piores como já vimos. Temos sempre a opção de sermos cúmplices ou simplesmente ignorarmos o que se passa, ao nosso lado e no mundo, o que dá no mesmo porque a complacência é uma forma de cumplicidade, ou então resistir. 

De que lado é que queremos estar em 2017? Se nos faltar a coragem podemos sempre rever o filme que ontem passou na magnífica RTP Memória, sobre a vida de Aristides de Sousa Mendes - O Cônsul de Bordéus, que salvou milhares de judeus do holocausto. Todos temos um "Amorim" do filme nas nossas vidas. Desconfiado, bufo e carreirista, disposto a tudo para alcançar os objectivos e para impedir quem pode prejudicá-lo, mesmo que tenha os actos mais altruístas e corajosos como Sousa Mendes. 

Mas também temos um guarda-de fronteira espanhol, ou um Aaron, que se recusam a abandonar quem segue pelo caminho mais correcto, mesmo correndo riscos, e que acreditam até ao fim que é possível contrariar as cirunstâncias - já velhinho Aaron reencontra Esther, a irmão idosa que todos julgavam morta desde criança. 

Todos temos todo o tipo de pessoas nas nossas vidas, é uma questão de escolher o lado em que estamos. Um deles fica sempre mais perto do ponto em que podemos romper com os princípios básicos da humanidade. E mais perto da bestialidade. E como vimos no conflito da Síria, que ignorámos durante muitos anos, nem as crianças são poupadas quando deixamos avançar o lado mais perverso da humanidade enquanto olhamos apenas, no conforto dos nossos lares.

De que lado é que queremos estar em 2017?

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