Há novos ciclos com velhos líderes?

Há momentos na nossa vida, pessoal e profissional, em que temos de fazer um acerto de rumo, de comportamentos ou até uma refundação total dependendo do ponto a que chegámos e dos objectivos pessoais e profissionais que queremos alcançar. É um momento de renovação, que todos prometemos a nós próprios no início de cada novo ano e que raramente cumprimos de forma voluntária a não ser em pequenos e irrelevantes aspectos. Acabamos muitas vezes por ter de a fazer de forma rápida e urgente empurrados pelas circunstâncias em momentos de emergência.

Os caminhos são diversos. Ou apostamos num talento específico que nos distingue dos demais e nos especializamos numa área, ou nos preparamos de forma intensa de forma mais genérica apostando numa polivalência que é vantajosa pela abertura de possibilidades que permite, mas que se torna uma ameaça para os outros e que costuma trazer alguns problemas.

Porque nos tornamos um pouco nos jogadores que podem fazer várias posições em campo, na defesa ou no meio campo, ou até em zonas mais avançadas do terreno. Cada um dos jogadores titulares encara a presença no plantel como uma ameaça permanente, e cada um dos suplentes olha para nós como o tipo que ali está para tapar as possibilidades de titularidade.


A responsabilidade aumenta quando lideramos muitas pessoas, porque há uma necessidade permanente de acerto de rumo ou de refundação, e ninguém nos perdoa se nos mantivermos presos às nossas convicções e teimosias prejudicando o desempenho geral.

É esse o grande pecado de Pedro Passos Coelho. O líder do PSD manteve-se inamovível na sua forma de ser e estar, e na forma de liderar o partido, recusando-se a fazer as adaptações necessárias para um acerto de rumo político que tarda em chegar e que é reclamado por vários sectores social-democratas. 

Faz bem o ex-Primeiro-ministro em manter as características pessoais, os princípios e os valores que defende, mas ninguém entende que se mantenha preso a uma forma pouco eficaz de fazer política que teve até agora um único resultado: a queda do PSD nas sondagens, sem que os social-democratas retirem vantagem das dificuldades do governo na gestão do país e dos choques permanentes no interior da gerigonça com os desaires de Mário Centeno ou as precipitações do Bloco de Esquerda que anuncia medidas ainda não consolidadas e negociadas na totalidade.

Passos Coelho optou por se manter no lugar onde estava acreditando que as circunstâncias iriam acabar por lhe devolver o poder que perdeu depois desta inesperada concertação à esquerda. Alimenta permanentemente um discurso negativista, de negras premonições, que aponta para o caos como alternativa e que esconde algum revanchismo de alguém despeitado por no final ter perdido uma guerra que começou por ganhar nas urnas: a governação do país. Passos acredita que o futuro lhe vai cair no colo mais dia menos dia como se isso fosse uma fatalidade que ninguém poderá contrariar. Mas isso seria acreditar no imobilismo total do governo e do próprio partido que já discute a sucessão em surdina.

Passos Coelho fala de diabos que estão para vir, aposta que haverá sanções que afinal não chegam, antecipa o caos numa economia onde até os mais optimistas do governo encontram sinais de preocupação - em linha com os organismos internacionais e nacionais - mas onde nem os mais pessimistas do PSD descobrem o dilúvio, critica o governo por ter aumentado impostos depois de ter feito exactamente o mesmo, critica a solução para a Caixa Geral de Depósitos quando não conseguiu encontrar solução nenhuma. 

Passos não tira vantagem das evidências: a economia não cresceu o esperado, o consumo e o investimento estão retraídos e não disparam tão depressa, o défice poderá resvalar ainda que ligeiramente, não há mais - pelo menos os que devia haver - nem melhores empregos e a reposição de salários e pensões, criando mais despesa, vai obrigar a procurar receita. Todas as soluções apontam para mais receita seguindo a via fiscal, logo mais impostos, sejam mais ou menos criativos. 

Não tira vantagem porque não pode, porque para a maior parte dos portugueses é o rosto de uma austeridade que feriu até os mais pobres, ao contrário do discurso inicial, ainda que por força das circunstâncias decorrentes da assistência financeira a Portugal e de um país adiado há 40 anos. O PSD vai caindo nas sondagens, e Passos não muda a estratégia nem deixa mudar-se a ele próprio permitindo uma renovação que ajude a mudar o discurso e a criar uma nova imagem para o partido. 

Pelo meio aceitou apresentar um livro ignóbil ao qual ninguém quer ficar associado - ele próprio acabou por recusar depois de ter teimosamente insistido que ia manter o acordo e que não voltaria com a palavra atrás, só percebendo tarde demais que nunca poderia aparecer associado a um livro que mistura questões políticas com outras questões íntimas e do foro privado-, um lixo que lhe iria colar um cheiro nauseabundo que custaria a desaparecer. 

Criticou o imposto sobre o património de luxo depois de ter defendido as virtudes de uma medida semelhante, há dois anos num Congresso do PSD. Deixou-se antecipar na corrida à Câmara de Lisboa pelo CDS, o mesmo partido que criou a ilusão, ou talvez não, de liderar a oposição a este governo. A escolha que Passos fizer para Lisboa será sempre condicionada pelo factor Cristas e Passos Coelho não parece nada preocupado. Mas devia, porque apesar de afirmar publicamente "que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal" o futuro da sua própria liderança depende do resultado das eleições autárquicas. 

O dia seguinte será o primeiro de um novo ciclo político no país. O aviso foi dado há muito tempo pelo próprio Presidente da República. Será o dia em que Marcelo Rebelo de Sousa vai inaugurar uma nova forma de coabitar com este governo, sendo mais exigente que nunca e fiscalizando a governação na esperança de que mude a médio prazo - 2018 - a solução de governo da qual não gosta e que apenas tolera. 

Será nesse dia que se vai começar a discutir a liderança do PSD para o novo ciclo político em Portugal, e Passos estará fora das soluções futuras se perder essas eleições, ou mesmo se não ganhar de forma expressiva. No PSD há apenas dois nomes fortes e consensuais para uma futura liderança. Rui Rio, a melhor de todas pelo peso político, notoriedade nacional e o trabalho que deixou na autarquia do Porto e Luis Montenegro, um dos melhores, mais combativos e mais bem preparados líderes parlamentares da história social-democrata a quem ainda faltará currículo governativo. 

Maria Luís Albuquerque tem esse currículo, mas não seria consensual e acabaria por dividir o partido, e ainda não é o tempo de Jorge Moreira da Silva e José Eduardo Martins. Precisam de ganhar calo, experiência e notoriedade pública, ao país não basta a influência partidária.

Se Passos Coelho vencer as eleições autárquicas e se mantiver à frente dos destinos do PSD só será um líder eficaz se conseguir partir de uma base de apoio confortável que hoje não tem nas sondagens. E se souber renovar a equipa que o acompanha criando de facto um novo impulso.

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