O som do silêncio

Como seres humanos que somos, permeáveis aos sentimentos, vivemos entre extremos. Variamos entre a depressão e a euforia com uma velocidade estonteante. Os estados de alma são incontroláveis e mudam à velocidade dos estímulos da vida actual que raramente nos permite o luxo de pensarmos, de pararmos para raciocinar e avaliarmos as nossas acções e as dos outros.

Não sabemos encontrar o ponto de equilíbrio, sensato e regenerador. Há muito que perdemos o passado e raramente recordamos o que já passou porque estamos demasiado envolvidos no que nos acontece no presente, que já não cabe em 24 horas. Sobram tarefas para tão pouco tempo, e muitos optam cada vez por menos horas de sono para terem mais horas de vida. 

Somos devorados pelas obrigações, pelas tarefas, pelas responsabilidades, pelas metas e objectivos, pelas necessidades, pelas exigências e pelas preocupações diárias. Deixamos que tirem de nós o pouco que nos resta sem que isso signifique que vamos conquistar o que não temos. 

Às vezes damo-nos conta de que passaram muitos anos desde um acontecimento marcante quando pensávamos que tinham passado muito menos, e ficamos angustiados com isso. Os dias acumulam-se e não damos conta. O futuro é a hora imediata, e por isso não planeamos a nossa vida pessoal e familiar com tempo, com antecedência e com o rigor necessário. 

Vivemos com um peso tremendo nas costas sem quase nos movermos a caminho dos objectivos que nos fazem felizes. Somos escravos das rotinas, dos minutos, da multiplicidade de chamamentos que nos chegam do exterior. Quase não tiramos prazer das coisas simples, como o silêncio, o som do mar ou o aroma das flores, porque há sempre um toque de telemóvel por perto para nos retirar dessa letargia que dura o que dura tudo hoje em dia, um micro segundo, um fósforo, um instante que não conseguimos saborear devidamente.

Isto aplica-se a quase tudo e foi potenciado pelas redes sociais. Reagimos a tudo sem ler, sem analisar, sem verificar, sem nos contradizermos nas dúvidas permanentes. Alimentamos boatos e rumores com uma facilidade preocupante, que nunca se percebe se é uma inocência pueril ou uma crueldade propositada e por isso indesculpável.

Vejo todos os dias pessoas que se alimentam de pequenas conquistas, normalmente profissionais, que nada significam nem acrescentam à sua felicidade ou à sua realização pessoal. Coisas que ao fim do dia desapareceram sem deixar rasto. Pessoas que se preocupam mais em anular o outro do que ajudar e colaborar no bem comum, sem se aperceberem que são as pequenas maldades diárias que se acumulam que um dia vão servir de sentença cruel no nosso destino que não se deixa influenciar e que chega sempre ao objectivo que escolheu sem nos perguntar se concordamos. 

Pessoas que não percebem que sozinhos caminhos mais rápido, mas em conjunto vamos sempre mais longe. Pessoas que não conseguem encontrar tempo para os pequenos prazeres diários e que se deixam amargurar pelo que não conseguem sem perceber que deviam saborear tudo o que está ao seu alcance. Mesmo que seja passar 10 minutos logo pela manhã ou ao fim da tarde à beira de um rio a ouvir coisa nenhuma. E o silêncio diz-nos tantas coisas. Todas elas sábias.

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