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O tempo dos tontos

Os tempos não estão para grandes pensadores e pensamentos. Não há tempo. Para pensar, para reflectir, para analisar e avaliar. Os tempos não estão para isso. A pressa de chegar a conclusões rápidas e atraentes para as redes sociais leva a precipitações e a conclusões fast-food, rápidas e saborosas para consumo imediato.

Os tempos são pretos e brancos (aposto que alguns vão encontrar aqui uma conotação racista), de sim ou não, a favor e contra.

São tempos perigosos, em que quem concorda é dos nossos e quem discorda é dos outros, inimigo perigoso, e por isso deve ser aniquilado. Como? Arrasado em comentários jocosos, irónicos e cruéis.

E se a coisa não resultar à primeira, se não pegar logo de estaca, inventam-se factos, argumentos, estudos que não existem ou declarações que nunca foram feitas. Vale tudo neste tempo em que todos querem ter razão mas ninguém admite ser chamado à razão.

Os tempos não estão para meninos, é para homens de barba rija e e tudo à bruta, em bruto, para brutos (e ninguém me acusa de misógino, por não falar de meninas e mulheres?). Um tempo que embrutece muita gente inteligente, que se deixa enredar nesta voragem dos tempos modernos.

Os tempos não estão para grandes teses porque para cada uma aparecem logo mil antíteses, cada uma mais violenta que a outra. Experimentem colocar em causa algum poder instituído ou as novas ideias regidas pelo politicamente correcto ou pela alegada defesa das minorias ou dos excluídos. Experimentem. Aparecem logo os novos paladinos da inclusão, da defesa dos oprimidos e das minorias. Gente que não sai do sofá mas sabe tudo sobre o mundo que não vê para lá do ecrã de um telemóvel ou de um computador. Gente que se defende da sua ignorância indo atrás da primeira ideia que encontra e que possa render uns quantos "gostos" no Facebook e muitos comentários.

Se possível que provoquem celeuma para que possam sair da sua existência anónima atrás de uma rede social, confortavelmente sentados em casa, para se tornarem populares nesse mundo virtual chamado redes sociais. Pessoas que defendem a inclusão e o voluntariado mas que não mexem o rabo para sair de casa, nem que seja para fazerem precisamente voluntariado, apoiarem a inclusão "in loco" ou defenderem as minorias onde elas mais precisam, na vida de todos os dias, sempre que saem à rua e são discriminadas e ofendidas. Isso dá trabalho e muita chatice.

Os tempos não estão para grandes pensamentos e pensadores. São tempos perigosos, em que ninguém quer pensar e não permite que ninguém pense. As pessoas consideram perigoso que se dê espaço a quem pode convencê-las de que estão erradas. Porque se destruírem as poucas certezas que têm, alimentadas pela ignorância e pelo preconceito, quase nada lhes resta. Porque não querem nem sabem pensar.

São tempos que pedem que se responda de imediato e se possível com respostas padrão, dentro do politicamente correcto e sem afrontar as ditaduras impostas por algumas ultra minorias de pensamento devidamente organizadas e unidas nas redes sociais.

Tempos em que se tenta impor a vontade de poucos contra a ideia de muitos, à força, sem que se discuta o problema em busca de uma solução conjunta. Porque quem não tem argumentos não quer discussões, quer medidas urgentes e imediatas, para que não exista tempo para desmontar teses e ideias difíceis de impor. São sempre vãs as tentativas de chegar a um ponto de consenso porque não há bom senso suficiente para esperar por uma reflexão. Porque ninguém quer ser convencido pelo outro, quer impor-se aos outros.

Se olharmos com atenção para a maior parte das discussões virtuais que pululam pelas redes sociais, e que depois acabam por nos cair na sopa nas conversas reais, e influenciar os nosso filhos e muitos amigos, encontramos um profundo desconhecimento dos factos relativos ao que se está a discutir.

As pessoas não sabem e não querem saber, não leram e não vão ler, ficam-se pelo título de uma notícia - tantas vezes escrito deliberadamente de forma errada para gerar viralidade (como ninguém fiscaliza as regras do jornalismo e não há consequências vale tudo) - e discutem o sexo dos anjos até à exaustão.

Mas discutem o que não existe, o que presumem existir, até que alguém se lembra de um título contrário, igualmente sexy na sua formulação mas redutor no seu conteúdo, e passam todos a discutir o que era verdade desde o início mas que a maioria ignorava.

São tempos perigosos. De contradições insanas que aparecem e desaparecem sem que se faça o luto. Cada um diz uma coisa e o seu contrário com uma rapidez e desfaçatez desconcertantes.

Não há tempo para grandes pensadores nem para grandes pensamentos. É um tempo sem tempo para analisar e reflectir.

Um tempo onde parecem mandar os tontos, ideal para gente tonta. Um tempo em que é preciso ter paciência para esperar pelo tempo certo ou optar por remar contra a corrente.

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