Os solavancos da geringonça

Com todas as virtudes e defeitos a geringonça vai funcionando. Nem é o desastre que alguns antecipavam, nem funciona às mil maravilhas como alguns querem fazer crer. Mas com a ajuda do optimismo "irritante" do primeiro-ministro - como lhe chamou Marcelo -, e da capacidade negocial de Catarina Martins a coisa lá vai andando, com alguns solavancos, mas ao que parece avançando sem problemas para o próximo grande objectivo: o Orçamento do Estado para 2017.

Mas a geringonça padece de um pecado original que mais cedo ou mais tarde vai dar problemas a sério ao Governo.

O Bloco de Esquerda age e fala como se fosse parte deste Executivo, anunciando até medidas ainda mal amanhadas que vão sendo corrigidas em andamento, como se o anúncio de medidas não fosse desde sempre uma prerrogativa dos ministros, ou do próprio primeiro-ministro. Se foi combinado entre as duas partes, como garantiu o líder parlamentar do BE, então a estratégia mediática foi desastrosa e mais mal amanhada do que a medida que foi anunciada.

O sorriso amarelo de António Costa a garantir que Mariana Mortágua não é a nova ministra das Finanças - com origem numa acusação irónica do CDS - dá bem conta do mal estar que se instalou no Governo com este tipo de atitudes precipitadas ou mal combinadas, dá no mesmo, que em nada ajudam à tão elogiada coordenação política de outros tempos.

O mal estar no PS também é evidente e o caso não é para menos. Os socialistas ficaram esta semana colados ao preconceito ideológico de Mariana Mortágua - que parece não ter tido grandes apoios dentro do Bloco - em relação aos empresários. A diabolização dos que têm e gerem empresas, como se fossem todos ricos e milionários, que acumulam riqueza e fortuna, sem que isso reverta a favor do país, coisa que só se resolve, na opinião da deputada bloquista, se se perder a vergonha de ir buscar a quem acumula dinheiro. Ora todos sabemos que a vida dos empresários em Portugal, à excepção dos que lideram grandes empresas em condições favoráveis, é uma vida difícil. E alguns acumulam dinheiro, é verdade. Ainda bem, é - como sabe Mariana Mortágua - o prémio do risco de investir e criar postos de trabalho. Eu por exemplo, como ela, prefiro não correr esses riscos e trabalho por contra de outrem. E acumular dinheiro não é por si só nada de negativo. No caso dos empresários ajuda a investir nas empresas, modernizando ou apenas mantendo as estruturas e criando postos de trabalho.

Qualquer Estado saudável do ponto de vista económico depende de um tecido empresarial ativo e dinâmico, desde que a fiscalização seja suficiente para impedir situações ilegais ou imorais. Por exemplo, que um empresário possa adquirir carros e casas de luxo quando deve a todos e mais alguns, despedindo trabalhadores depois de fechar a empresa. Logo a seguir abre uma empresa ao lado como se nada fosse e acaba da mesma forma. É a estes casos que Mariana Mortágua e o Governo devem dedicar especial atenção e não aos empresários, pequenos, médios ou grandes, que todos os dias trabalham para desenvolverem negócios em condições muito difíceis num país com grandes dificuldades e onde escasseiam os apoios.

O grande problema desta geringonça é que ao contrário do PCP, que dá apoio à solução de governo mas sempre manteve a devida distância, o Bloco porta-se como se fosse, de facto, membro do Executivo mas na verdade optou formalmente por ficar de fora. Ou seja, fica só com o lombo e rejeita os ossos e as gorduras. Ora, isso como sabemos dá sempre mau resultado. É uma correcção que provavelmente vai ser feita logo a seguir ao Orçamento do Estado para 2017 quando acabar esta urgência de um documento que agrade a Bruxelas, desagradada que está a Comissão Europeia com esta solução política mais à esquerda, por preconceito ideológico também neste caso.

António Costa dará um ultimato aos bloquistas, ou estão dentro ou ficam fora. Neste momento o primeiro-ministro está refém da necessidade de apresentar um documento para gerir as contas públicas no próximo ano, no futuro poderá estar de mãos livres para decidir mais livremente. Mas para isso a economia terá de ajudar, coisa que ainda não está a acontecer nesta altura.

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