Quem feio ama bonito lhe parece

Vamos ser claros, o que é que queremos deste Europeu de França? Jogar bonito, com futebol perfumado e com nota artística - o futebol sexy que Ruud Gullit encontrou na selecção portuguesa de 1996 - ou ganhar os jogos, mesmo que no último minuto e num remate atabalhoado como nos acontecia no futebol de rua da nossa infância? As vitórias eram menos saborosas e festejadas por serem menos justas ou merecidas? Queremos ser os reis do futebol espectáculo - e já percebemos que por aqui a coisa não está fácil - ou os príncipes do pragmatismo e da eficácia? Queremos títulos não é? Quando jogámos bonito o que ganhámos? Não há concursos de beleza no futebol. Sim, também gosto de futebol arrebatador, mas nem sempre é possível.

Fernando Santos disse tudo sem precisar de dizer quase nada. Parco em palavras, explicou a tese: não se ganham europeus a jogar à bola. Só a jogar futebol. Com cabeça e cautela. Com clareza de processos mas sem grandes veleidades artísticas, com concentração, muita luta e dedicação em campo - "deixar a pele em campo" como se diz no jargão - e acima de tudo com uma táctica que permita ultrapassar debilidades.

Não sou especialista em futebol, mas todos, mais ou menos leigos, percebemos que na selecção não existe um ponta de lança óbvio. Éder foi para o que for preciso mas todos esperam que não seja necessário. Não é oportuno e eficaz como foram Pauleta e Nuno Gomes em tempos mais recentes. Tem três golos em 28 jogos pela selecção e se não despontou até aos 28 anos não se espera que venha a fazê-lo neste Europeu. Mas o futebol está cheio de jogadores improváveis que decidem títulos e, se for Éder a assumir esse papel neste Campeonato da Europa, será bom sinal.

Na ausência de um ponta de lança que fixe centrais e permita libertar Ronaldo e Nani para criarem espaços, Fernando Santos tem de adaptar a equipa a um esquema táctico - não é de todo a minha área - que lhe permita marcar golos sem ratos de área. As coisas até agora, com mais ou menos nervos, com mais ou menos beleza de jogo, correram bem. Estamos nos quartos de final e com boas hipóteses de apuramento para as meias, antecâmara do jogo mais aguardado. É mais do que muitos vaticinam desde a primeira hora e muito mais depois dos jogos da fase de grupos, principalmente com a Islândia e com a Áustria. Com a Hungria o apuramento mandou às urtigas as habituais exigências nacionais e o pessimismo crónico que depressa dá lugar ao optimismo exagerado.

Fernando Santos sabe de futebol e sabe de pessoas. Não tem grande paciência para questões da treta ou polémicas sem sentido. No seu discurso directo, frontal e desempoeirado já avisou ao que veio: vai escolher os que considera melhores, sem olhar a pressões e sem preocupações com a típica clubite nacional. Tem adaptado a equipa aos adversários concretos - não é assim que manda o futebol moderno? -, sem ter um onze fixo e inamovível, como aconteceu em tempos com os resultados que conhecemos, e escolhe os que lhe parecem em melhor momento numa prova exigente, com muitos jogos em poucos dias, no final de uma época desgastante, principalmente para os jogadores mais influentes. Para agravar tudo Ronaldo teve uma lesão na parte final da época que me parece tem sido limitativa de um rendimento melhor.

Esta selecção é experiente, tem bons jogadores, mas tem claras limitações, principalmente no ataque e algumas na defesa. Não tem feito os jogos bonitos e de fácil resultado pelos quais todos ansiamos - ainda não é tarde - mas ainda não deu desgostos.

A Islândia, que motivou um estado pré-depressivo nacional depois da goleada à Estónia antes da partida para França, acaba de "aviar" os ingleses numa semana particularmente negativa para os britânicos. Afinal, o tal empate no primeiro jogo nem foi mau. O que nos leva à discussão do costume, com um facto evidente para todos, mesmo para leigos como eu. Não há adversários fáceis. Principalmente num Campeonato da Europa de futebol. O objectivo é ganhar. Sem grandes floreados. Deixem isso para os jogos de apuramento de mundiais e europeus. Agora a questão é de vida ou de morte. O famoso mata-mata de Scolari.

Esperemos que Portugal não morra na praia como em 2004. Nesse Europeu faltou o título, mas sobrou espectáculo.

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