Não é uma questão de se gostar ou não da canção ou da voz do Salvador, é legítimo não gostar, o problema são os comentários mal intencionados, maldosos e cruéis feitos por pessoas que em muitos casos não conseguem dizer ou escrever duas frases sem um erro de português. Ou seja, pessoas sem noção das suas próprias limitações e fragilidades. Compreendam, descarregar as vossas frustrações nos outros não vos resolve nenhum problema de auto-estima, mas revela muito da vossa personalidade fraca e doente. E o bom humor que aprecio e tento praticar no meu dia a dia nunca é cruel, é apenas ligeiramente insensível perante algumas tragédias, mas faz-nos rir porque é feito com bom gosto e bondade, como caricatura e exagero, mas sem tentar destruir o caricaturado.
Espero que o talento e a forma de ser totalmente fora da caixa do Salvador Sobral ajude algumas pessoas a abrirem as tampas dos sótãos bafientos onde vivem, rodeados de azedume, preconceitos e ideias feitas. A tolerância é em si mesmo um talento que muitos não entendem e que têm claras dificuldades em alcançar.
O Salvador Sobral não é isto. É talento puro, tem uma voz magnífica e tem charme a cantar, é sedutor no seu jeito simples e desengonçado de ser. É despreocupado, desajeitado, histriónico e não está "nem aí" para o que se diz dele ou se deixa de dizer. É um ser totalmente fora da caixa que sofre de graves problemas de saúde. É um resistente com muito talento, mas muitas pessoas tratam-no como se fosse um pateta qualquer em busca do sucesso fácil como esses seres acéfalos que encontramos em alguns programas de televisão.
O Salvador está na final do Festival da Eurovisão, não é um feito comparável ao da selecção para muitos dos que só encontram satisfação nas coisas do futebol - na verdade os que não sabem amar o futebol-, mas concordarão que pelo menos é mais uma forma de Portugal estar na alta roda de um grande acontecimento europeu.
Esta era das redes sociais tem vários problemas que vão crescendo aos poucos: a falsa sensação de companhia que todos temos quando na verdade somos cada vez mais solitários nas nossas vidas dominadas por hábitos individuais, a ilusão de que estamos rodeados de amigos quando na verdade quase nenhum deles nos visitaria num hospital ou numa prisão, ou deixaria de nos atender o telefone se ficássemos desempregados e a precisar de verdadeira ajuda, a falta de noção de que as nossas opiniões revelam o nosso verdadeiro carácter, a facilidade com que se espalham notícias falsas sem que tenhamos a preocupação de aplicar um filtro que verifique a veracidade e, por último, a banalização do preconceito e da ignorância, do azedume, da crueldade, das ideias populistas e extremistas.
Vivemos tempos perigosos que não devemos alimentar, as criaturas, em regra, devoram os criadores e estas coisas não acontecem apenas aos outros.