O pior de tudo nesta polémica que envolve taxistas tradicionais e as plataformas de transporte Uber e Cabify são as generalizações perigosas que aparecem sempre nestas ocasiões.

Nem os taxistas são, em geral, o que querem fazer deles, ainda que uma parte significativa contribua de forma decisiva e permanente para o retrato negativo que se faz destes profissionais, nem a Uber e Cabify são apenas o poço de virtudes que alguns apregoam. Há problemas nos dois lados e a questão tem de ser posta com justiça e equilíbrio.

1. O ponto de partida deve ser a criação de uma regulamentação que permita um acesso à profissão de taxista semelhante ao de outras profissões: livre, aberto, condicionado por testes de aptidão e formação específica. Só com um regime de igualdade nas oportunidades e em concorrência pura é possível garantir que este sector melhora o serviço de forma generalizada, sem monopólios e regras de privilégio.

2. A contratação destes profissionais deve obedecer às mesmas regras que se aplicam a qualquer profissão no que aos vínculos laborais diz respeito. Porque a Antral e a Federação Portuguesa do Táxi sabem que o argumento de precariedade nos vínculos dos motoristas destas plataformas também se aplica aos taxistas tradicionais, onde abundam os biscateiros e os comissionistas, com vantagem evidente para os patrões e para os motoristas que querem acumular mais do que um emprego não encarando a "praça" com um espírito profissional com a exigência e responsabilidade que se exigem.

3. O caminho é o das plataformas, desde que se respeitem as regras do mercado. Bons carros, simpatia, conforto, asseio, um bom serviço virado para o cliente e uma forma, digital, que permita não apenas facilitar o pagamento e a emissão de facturas, mas também evitar a evasão fiscal e as vigarices a que assistimos todos os dias. Nenhum motorista da Uber pode cobrar, como já vi num recibo de um táxi, 93 euros entre o Aeroporto de Lisboa e o Lagoas Park, usando um papel que não serve de factura e com referência a uma matrícula que é falsa para evitar que possa ser identificado o autor da vigarice.

4. Há que investigar a fundo a forma como alguns operadores estão no sector do táxi. Há um lóbi forte, criado por meia dúzia de proprietários, que sequestrou o sector, muitas vezes com recurso à intimidação, que tenta a todo o custo que as coisas não evoluam para que não percam o controlo do negócio. Com tantas denúncias é estranho que ainda não se tenha investigado a fundo. Basta ler o extraordinário trabalho das jornalistas Sílvia Caneco e Vânia Maia, na revista Visão, intitulado "O Rei da bandeirada", para se perceber que há muito tempo que as autoridades policiais e fiscais não fazem o trabalho que deviam fazer nesta matéria. A reportagem é de 4 de novembro do ano passado, e até agora não aconteceu absolutamente nada.

5. O governo tem de legislar o mais rapidamente possível nesta matéria, sem recuos, e sem cedências aos lóbis, de um lado e de outro. O pior que nos podia acontecer era as coisas ficarem como estão. As regras devem garantir que ninguém garante uma posição dominante mas também têm de impedir que se mantenha este clima de hostilidade que coloca os motoristas e passageiros em risco.

6. Estamos muito atrasados nesta discussão. Há marcas de automóveis que em algumas cidades europeias já promovem a partilha de viaturas, através de uma aplicação que permite abrir as portas e colocar os automóveis a funcionar com recurso a telemóveis, permitindo aos condutores deixar o carro em outro ponto da cidade já com o estacionamento pago e com um valor fixo por quilómetros que é muito competitivo. Por isso o criador da Uber garantia há uns meses que em 10 anos ninguém vai ter viatura própria. Exagerado no prazo mas claramente premonitório de uma opção que se vai vulgarizar em breve.

Algumas notas finais.

Esteve mal o governo, no caso o Ministro do Ambiente, que violou uma regra básica da política, não se negoceia sob ameaça e não se cede à pressão das ruas no dia dos protestos.

Esteve bem a PSP, que soube gerir as situações de arruaça que ameaçavam transformar-se em verdadeiros motins de consequências imprevisíveis e soube negociar a "rendição" do protesto. Fez as detenções que tinha de fazer, de forma cirúrgica e no tempo certo. As autoridades sabem mais do que nós e conheciam os elementos infiltrados e cadastrados que estavam misturados com os profissionais do táxi. Agora há que utilizar as imagens para identificar os que devem ser detidos e responsabilizados por actos de vandalismo inadmissíveis em democracia.

Estiveram mal os organizadores, que mais uma vez potenciaram situações de confronto físico, que paralisaram o principal Aeroporto do país e que ameaçam voltar às ruas. Felizmente falharam na mobilização que estava prevista, em vez de seis mil vieram cerca de 500 motoristas.

Finalmente esteve mal o PCP, que trouxe a discussão política para as ruas legitimando um protesto que ultrapassou os objectivos iniciais, estava transformado numa arruaça e que constituía um verdadeiro barril de pólvora.

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